1998: Recessão e prejuízos colapsam a TV Manchete

Mandacaru não era um sucesso mas garantia o terceiro lugar. Porém, a Manchete crescia nos outros horários, a partir de programas feitos pela filial de SP, mirando os públicos do SBT e Record. Brida foi a grande promessa do ano, mas a flutuação do dolar e recessão internacional transformaram a Copa do Mundo num prejuíxo que derrubou rapidamente a já frágil emissora.

O mercado televisivo e midiático do Brasil no começo de 1998 registrava forte retração de investimentos pelo mercado publicitário. Assim como as outras emissoras, a Manchete registrava queda significativa de sua receita publicitára, como reflexo da conjuntura econômica mundial: a recessão econômica que assolava países emergentes da Ásia desde meados de meados de 1997.

A fuga de dólares de países emergentes obrigou o governo brasileiro a tomar medias austeras para proteger o valor da nossa moeda, com uma mudança de rota em nossa política cambial: o dólar passaria a ser vendido por seu valor real de mercado, acabando com a paridade artificial da moeda americanda com o Real . Rapidamente a cotação do dólar dobrou, fazendo com que importações, viagens e direitos de conteúdo estrangeiros ficassem, do dia para a noite, bem mais caros.

Tudo contra

A TV Manchete vinha tocando sua vida “no fio da navalha”, ou seja, sem reservas financeiras. Também não tinha mais credibilidade para tomar empréstimos. Para piorar a situação, pagava parcelas de um empréstimo de um banco alemão, ou seja, em dólar. Para completar o cenário extremamente desfavorável, o congressso proibiu os sorteios 0900, uma das grandes fontes de receitas do canal naquele momento.

Como desgraça nunca vem sozinha, as maiores apostas da nova programação fracassaram, gerando novos prejuízos, com destaque negativo para os mais caros investimentos do ano: a cobertura da Copa do Mundo de Futebol e a novela Brida. A emissora, como de costume, esperava sucessos tamanhos que superassem todos os revezes sofridos pelo canal no período. Não aconteceu.

Novidades

A novela Mandacaru registrava índices módicos, e os programas jornalísticos davam sinais de desgaste. Mas, mesmo contabilizando queda de 50% no faturamento no ano anterior, e todo o pessimismo macro-econômico, a emissora anunciou novos investimentos já no mês de março.

Jornal da Manchete volta às origens

A primeira aposta foi a reformulação completa dos noticiários. O “Jornal da Manchete” passou a ter três edições ao longo do dia, conceito semelhante ao utilizado na década de 80. A redação também voltava ao cenário mas, desta vez, totalmente modernizada.

Campanha de Lançamento do novo Jornal da Manchete, 1998
Campanha de Lançamento do novo Jornal da Manchete, 1998

O “Jornal da Manchete Ed. da Tarde”, às 12h30, encampou a “Manchete Esportiva”, passando a ter uma hora de duração. Às 23h45, o JM Edição da Noite entrou no lugar do Manchete Verdade.

Às 20h45, era a vez da edição principal do Jornal da Manchete, sem complementos no título, e com o mesmo trio de sempre: Marcia Peltier, Carlos Chagas e Florestan Fernandes. As mudanças passaram a valer a partir de 27 de março de 1998,

Mulher

Claudete Troiano era a nova cara do vespertino “Mulher de Hoje“, abandonado por Beth Russo em dezembro de 97. Dentro do programa, Celso Russomano estreou o quadro Pra Valer, aumentando o tempo de duração do feminino em meia hora (das 15h às 17h30).

Fins de noite

Salomão Schwartzman substituiu o “Momento Econômico” pelo “Frente a Frente“, com uma hora diária de entrevistas nos fins de noite.

Magdalena Manchete Verdade

No início de março, Magdalena Bonfigliolli estreou à frente do “Magdalena Manchete Verdade“, que deu bons resultados. A fórmula já vinha sendo explorada por Marcia Goldshimidt no SBT: convidados falavam sobre suas desavenças no palco, enquanto uma equipe de psicólogos tentava mediá-los.

A apresentadora, por sua vez, estimulava a participação da plateia, o que esquentava ainda mais as discussões. Era um formato popular e em franco crescimento no país.

Nota do autor: o formato permaneceria com destaque nas décadas seguintes, com Regina Volpato (Casos de Família, SBT), Wagner Montes (Verdade do Povo, Record), Marcia Goldshmidt (Band), João Kleber (Rede TV!), e Cristina Rocha (Casos de Família, SBT). Cristina acabaria sendo quem permaneceria por mais tempo no ar, se consolidando como ícone do do formato na memória do espectador.

Chamada de estreia do Magdalena Manchete Verdade

Otavio Mesquita assume o ‘Domingo’

Aos domingos também houve uma grande mudança. Ainda em parceria com a produtora independente TV Ômega, de propriedade de Amílcare Dalewwo, a Manchete substituiu o caça-níqueis “Domingo Milionário” pelo “Domingo Total“. Hélio Vargas assumiu a direção no lugar de Homero Salles. Otávio Mesquita, Virgínia Novick e Sérgio Malandro apresentavam os três quadros da atração.

Teve ótimos índices de audiência, principalmente durante o quadro no qual Otávio Mesquita acordava famosos. Sérgio Malandro também se destacou à frente da “Festa do Malandro”, que antes da Manchete vinha fazendo sucesso nas tardes de sábado da CNT.

Mesmo com essas bem-sucedidas estreias, as dívidas cresciam, o que sufocava a emissora.

Copa da França

Imagem 12 de Linha do Tempo da Rede Manchete
Vinheta da Copa da França – 1998

Em junho do mesmo ano, o salário dos funcionários atrasaram, o que era um péssimo sinal. As transmissões da Copa do Mundo de 98 não renderam os lucros esperados. A Manchete teve a pior audiência dentre as cinco emissoras abertas que transmitiram o evento. A Copa deu prejuízo significativo, a ponto de faltar dinheiro para as diárias dos profissionais que estavam na França.

Brida não faz mágica

Imagem 14 de Linha do Tempo da Rede Manchete
1998: Bruxa à solta

Em agosto entrava no ar a novela Brida, baseada na obra sucesso de vendas de Paulo Coelho. A magia do autor parece, porém, não ter funcionado com a novela. A baixa audiência (dois pontos de média) provocou a troca do autor para esquentar a novela. A novela chegou a ser exibida em dois horários, às 19h e às 22h durante algumas semanas de agosto. Mesmo com todo o esforço, Brida não reagiu.

Greves

O atraso nos pagamentos levou os atores a aderirem à greve dos funcionários da emissora. Sem mais capítulos para exibir, a novela foi retirada do ar em seu terceiro mês de exibição. O final da história foi narrado pelo locutor oficial da emissora, Eloy De Carlo, ilustrado com imagens de acervo da novela.

Naquele mesmo dia, chamadas anunciavam a reprise de Pantanal durante o intervalo do que era, sem conhecimento de quem assistia, o último capítulo da novela de Paulo Coelho. Brida foi encerrada em 26 de outubro, sexta-feira, dando lugar à re-estreia de Pantanal na segunda-feira seguinte.

Debandada

Sem garantias, profissionais valiosos saíram da casa. De uma só vez debandaram Márcia Peltier, Otávio Mesquita e Raul Gil. Raul levou de volta seu banquinho para a Record. Otávio voltou para o SBT, determinando o fim do “Domingo Total” e, por consequência, as saídas de Sérgio Malandro e Virgínia Novick. As tardes de domingo passaram a exibir uma seção tripla de filmes: o “Festival Manchete de Cinema“.

Marcia Peltier, estrela principal do jornalismo do canal e âncora do Jornal da Manchete por cinco anos, acertou sua saída para a Band, levando consigo seu programa semanal Marcia Peltier Pesquisa. A mudança ocorreu logo após a cobertura das eleições daquele ano.

As produções dos jornalísticos da linha semanal de shows também pararam, e os programas passaram a exibir reprises. O mesmo aconteceu com o musical “Mexe Brasil“, apresentado por Marcelo Augusto.

A partir de 26 de outubro, o Jornal da Manchete perdeu meia hora de duração. Carlos Chagas estreou um “tapa buraco” na programação, o programa de debates Se Liga Brasil, exibido diariamente após a novela. Nos outros horários, televendas e religiosos dominaram a programação.

Em dezembro, o lucrativo Mulher de Hoje também parou. Claudete Troiano a Magdalena Bonfiglioli permaneceram no canal, confiando em reestrearem seus programas tão logo o canal fosse vendido.

Ainda em dezembro, foi a vez do Jornal da Manchete deixar de ser exibido, algo que nunca tinha acontecido na história do canal, por causa da greve geral que se arrastava desde setembro.

Estava claro que esta não seria mais uma crise dentre tantas que a Manchete atravessou.

Por Diogo Montano

Diogo Montano é Bacharéu em Ciência da Computação, pós graduado em Gestão de Negócios, e trabalha há quase vinte anos unindo duas coisas que sempre gostou: comunicação e tecnologia. Cresceu assistindo à Globo e Manchete, canais de tv que tinham as melhores imagens da região. Em 1999, ainda antes de entrar na faculdade, publicou a primeira versão deste site, logo após a venda da Manchete.