O grandioso Carnaval da Manchete

A emissora deu grande visibilidade ao carnaval do Brasil, se dedicava exclusivamente durante o evento, e trazia inovações que permanecem até hoje, ajudando a mudar o patamar da festa nacional e internacionalmente.

Adolpho Bloch tinha admiração especial pelo poder que o carnaval tinha de unir brasileiros de culturas, setores e classes sociais tão diferentes. Por consequência, suas revistas faziam grandes coberturas do espetáculo. Isso ficava claro quando chegavam às bancas, já na quarta-feira de cinzas, edições extras de Fatos & Fotos, Manchete e Amiga, recheadas de imagens das festas de todo o país.

Cobertura que fez escola

A TV Manchete repetiria a tradição perpetuada pelas revistas da Editora Bloch, e se tornaria referência na cobertura do carnaval. A emissora derrubava a programação normal, com dedicação exclusiva ao evento durante os quatro dias de folia. E nào era só isso: sua cobertura começava quatro meses antes da festa, com a exibição de programas e matérias especiais durante a programação, como “Feras do Carnaval” e “Esquentando os Tamborins“. Com formatos que variavam ano a ano, os programas contavam histórias das personalidades icônicas ligadas ao mundo do samba, além de adiantar os preparativos das escolas para os próximos desfiles.

Durante o evento outros programas especiais eram exibidos, como: “Botequim do Samba” (roda de conversa e música na entrada do Sambódromo), “Debates de Carnaval” (que muitas vezes estreava duas semanas antes do evento) e “Jornal do Carnaval” que, como o nome sugere, exibia matérias sobre as festas pelo país, com entradas ao vivo e antecipando o que aconteceria horas depois. Os melhores momentos dos desfiles das Escolas de Samba, claro, tinham duração estendida na Manchete, e muitas vezes contavam com locuções próprias.

A emissora ficou marcada também pelas cômicas e quentes coberturas dos bailes de carnaval dos clubes cariocas (Scala e Monte Líbano), onde se destacaram festas como o “Scala Gay” e “Baile do Vermelho e Preto“, além dos tradicionais concursos de fantasia do Hotel Glória, apurações dos desfiles, e as festas das campeãs.

Abrindo alas para o carnaval brasileiro

Além do carnaval do Rio, que nos anos 80 recebia atenção quase exclusiva das coberturas de TV, a Manchete foi pioneira em transmitir, em rede nacional, a folia em outras regiões do país:

  • Festas de rua: a partir de 1988, quando ficou sem os desfiles cariocas, a emissora transmitiu com grande destaque o carnaval de rua de Olinda, o Galo da Madrugada de Recife, e os blocos de rua do Rio de Janeiro e Ouro Preto-MG.
  • Desfiles das escolas de samba de São Paulo: transmitiu para todo o país o carnaval paulistano em 1991, quando foi inaugurando o sambódromo da cidade (em pool com a Globo).
  • Carnaval de Salvador: em 1993. trocou a passarela carioca pelos circuitos de Salvador, sendo a primeira a transmitir os desfiles dos blocos baianos em rede nacional. Naquela época, o Axé se popularizava em todo o país devido, principalmente, ao estouro de Daniela Mercury no ano anterior, e à crescente procura dos jovens pela folia baiana.
  • Desfile das Escolas de Samba de Manaus: em 1994, inaugurou o terceiro sambódromo da sua história, com a transmissão nacional do Desfile das Escolas de Samba de Manaus, capital do Amazonas.

1984: Só deu Manchete

O primeiro carnaval da Manchete foi em 1984, ano em que também houve a inauguração do sambódromo do Rio. Até então, todas as escolas desfilavam no domingo, em uma grande avenida da cidade, onde, todos os anos, eram colocadas e retiradas arquibancadas para o público. A maratona começava à tarde, embaixo do sol forte, e só terminava no amanhecer da segunda-feira. Além de caro, limitava consideravelmente o show das escolas. A Globo e eventualmente Band e TV Educativa, costumavam transmitir partes do evento.

Mas naquele ano, a estreante Manchete acabou conseguindo a exclusividade dos Desfiles da Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro, depois que a TV Globo desistiu das negociações por conflitos com o governo de Leonel Brizola. Segundo Boni, então superintendente executivo da emissora, o abandono, na verdade, foi parte de um acordo com a Manchete, segundo o qual a jovem aliada assumiria a negociação com o governo estadual, e depois repassaria parte destes direitos à Globo.

Traição de carnaval

Mas, segundo Boni, a Manchete não honrou o compromisso (sequer atendeu ligações telefônicas). Luiz Santoro, apresentador que na época ancorava a segunda edição do Jornal da Manchete, faz uma correção: ele próprio testemunhou um momento em que Adolpho Bloch atendia a uma ligação e explicava, em tom de lamentação, que não poderia fazer aquilo (repassar os direitos à Globo). Anna Bentes Bloch, viúva de Adopho, em entrevista ao programa “Ver TV”(TV Brasil), afirmou que o governo do Rio realmente teria feito esta exigência à Manchete, já que o próprio governo havia reclamado à imprensa o fato da Globo ter exigido que os desfile continuassem apenas no domingo, para manter a transmissão adequada à sua grade. Mas quem conheceu o perfil político de Adolpho acredita que ele possa ter criado esse argumento para amenizar o desgaste que sua decisão teria.

Anúncio das transmissões do carnaval de 1984 com exclusividade pela TV Manchete
Anúncio das transmissões do carnaval de 1984 com exclusividade pela TV Manchete

Líder absoluta e sucesso de crítica

Paulo Stein entrou em cena com Fernando Pamplona para transmitirem o espetáculo, fazendo uma dobradinha que se repetiria nos anos seguintes. Foram 84 horas de transmissões dedicadas ao carnaval. Além de Stein e Pamplona, equipes de reportagem estavam espalhadas por todo o recém-inaugurado sambódromo da Marquês de Sapucaí, mostrando ao telespectador o desenrolar da história que cada escola se propunha a contar. Stein declarou que buscavam fazer com que o espectador entendesse esse propósito, como numa peça de teatro. Uma abordagem que ia muito além do simples show de roupas brilhantes e mulheres semi-nuas.

O resultado foi devastador: a emissora de Adolpho Bloch liderou a audiência no Rio de lavada, chegando a uma diferença de 56 a 14 pontos na noite de segunda-feira, e tendo conseguido nos dois dias de desfiles uma média de 30 pontos. Foi a segunda vez que o Fantástico perdeu a liderança, e de novo, para a Manchete!

Estava instaurada uma rivalidade que beneficiaria muito o evento dali adiante. Apesar de ter custado o fim da relação de parceria entre as redes cariocas, Globo e Manchete inovaram seguidamente desde então.

1985: Deu Liga

A grande repercussão do carnaval de 84 estimulou a criação da Liga Independente das Escolas de Samba, que passou a ser a detentora dos direitos de transmissão do Grupo Especial. O governo estadual deixou de ser o negociador das transmissões a partir de 1985, fazendo a Manchete perder a preferência na renovação do evento. A emissora foi contemplada, junto com a Globo e também a Bandeirantes.

A emissora não perdeu tempo: justificou a não exclusividade com o período político que o Brasil nos 20 anos anteriores. Aproveitando o fim da ditadura militar, batizou sua cobertura de “O Carnaval da Democracia“.

o Carnaval era a chance que a Manchete tinha de mostrar que era maior e melhor que a Globo,,,

Rubens Furtado, diretor-geral da Manchete, em 1985

Pool

Foi a primeira transmissão em pool com a Globo. Pool significa a parceria operacional entre duas ou mais empresas, que se juntam para compartilharem a mesma infra-estrutura necessária, evitando que ambas gastem dinheiro para mostrar a mesma coisa ao espectador. Faz bastante sentido para eventos pontuais, como eventos esportivos e carnaval, que demandam grande movimentação de equipamentos e pessoas.

Pelo acordo firmado, a Globo seria a responsável pela captação e transmissão das imagens, enquanto a Manchete ficaria a cargo de captar e irradiar o áudio de todo o evento. A distribuição levou em conta o fato da Manchete ser a única do país com som estéreo (e continuou sendo por muitos anos).

Balão da Manchete sobre a Apoteose, no carnaval carioca - 1985
Balão da Manchete sobre a Apoteose, no carnaval carioca – 1985

Novidades da Manchete

  1. Sambas-enredo: vinhetas com os sambas-enredo pelos meses anteriores ao evento, o que seria imediatamente reproduzido pela Globo nos anos seguintes.
  2. Imagens aéreas: Também colocou um helicóptero, uma enorme grua e um balão sobre a Apoteose, registrando imagens inéditas. Além de fazer o logo da emissora aparecer obrigatoriamente nas telas da Globo e da Bandeirantes.
  3. Desfile sem cortes: “Ficou combinado que o jornalismo só entraria na concentração, adiantando como a escola ia desfilar. Depois, o desfile seria gravado sem cortes, com som direto e até o local onde a bateria recua, quando entravam as entrevistas, os comentários, os cortes etc.”, explicou Alcino Diniz, que dirigiu a cobertura.

Audiência

Mesmo sem a exclusividade, a emissora bateu a Globo várias vezes. Quando a Mocidade terminou de passar, a Manchete registrava 21 pontos, contra os 11 da Globo. E, durante o desfile da Mangueira, a Manchete deu de 31 a 26 pontos, também contra a mesma emissora. O então diretor de programação da emissora, Rubens Furtado, dizia que “o Carnaval era a chance que a Manchete tinha de mostrar que era maior e melhor que a Globo“, e que “Carnaval não dava lucro, mas trazia prestígio“.

Desfile da Manchete na Globo

Em 1986, sem a Band no circuito, a Manchete provocou a Globo com um enorme logotipo posicionado num prédio em frente ao sambódromo, impossível de ser retirado das transmissões.

Em 1987, a Globo revidou: colocou um logo ainda maior que o da Manchete, lado a lado, mas não contavam com a astúcia da concorrente, que, pelo menos em sua transmissão, cobriu o símbolo da rival com uma peça publicitária eletrônica, a substituindo pelas marcas dos seus patrocinadores. Na tela da Globo, os logotipos ficaram à mostra durante os desfiles, ou seja, as marcas da Globo e Manchete apareceram livres de modificações.

A Manchete também disponibilizou mil funcionários na passarela e trouxe novidades como a câmera “robô” (as emissoras eram livres para utilizar recursos extras ao compartilhado por ambas pelo pool), que dispensava a presença de um cameraman em lugares onde, antes, isso seria impossível. Também usou, como sempre, um helicóptero para fornecer imagens aéreas da avenida.

A Vingança da Globo

Em 1988, a Globo cansou da brincadeira: conseguiu adquirir os direitos de transmissão exclusivos do carnaval, e não os repassou à concorrente (dando um troco no que fizera a Manchete em 1984. A Liesa, para não ser acusada de favorecer a líder, na verdade havia vendido os direitos a uma empresa de eventos/marketing que, depois de alguns meses, os teria repassado à Globo.

A Manchete então decidiu entrar fundo no país, aumentando bastante a visibilidade dos carnavais de rua de Ouro Preto, Salvador, Manaus, Recife, e dos tradicionais e quentes bailes de carnaval cariocas. O título da cobertura naquele ano, por isso, acompanhou a estratégia: Carnaval do Povo.

Pouca vergonha

O Carnaval do Povo, de 1988, fez a Manchete apelar mais e, devido à exibição de closes ginecológicos durante os bailes das madrugadas, Bandeirantes e Manchete foram atacadas pelo Congresso Nacional. Os deputados as ameaçaram com suspensão de sinal e outros, mais de direita, falavam até em cassação dos canais.

Representantes das emissoras foram chamados a Brasília para prestarem esclarecimentos, e acabaram fechando um acordo para pegarem mais leve nos anos seguintes. Mas o episódio também motivou o conservador Alexandre Garcia a pedir demissão. O jornalista, que fez lobby a favor da Manchete durante a concorrência pelas as concessões em 1980 (ele era porta-voz dos militares na época), se tornou diretor de jornalismo em Brasília, além de uma coluna semanal no Programa de Domingo, pediu demissão e assinou com a Globo.

1989 em diante

Em 1989 a Globo voltou a dividir a transmissão com a Manchete em pool. A Manchete, porém, não deixou de dar destaque às festas de rua do país.

Logo do Carnaval da Manchete em 1989
Logo do Carnaval da Manchete em 1989

Em 1990 foi a estreia do casal 20 do telejornalismo, Leila Cordeiro e Eliakim Araújo, que no ano anterior havia assumido o Jornal da Manchete. Eliakim passou a dividir as narração com Paulo Stein, e Leila foi repórter na avenida. Os jornalistas fizeram questão de participar da tradicional cobertura.

1991: Inauguração do Anhembi

Adolpho Bloch foi samba-enredo da Unidos do Cabuçu, escola de samba do grupo de Acesso do Rio em 1991.

Neste ano, a Manchete transmitiu o carnaval de São Paulo pra todo o Brasil, junto com a Globo, quando foi inaugurado o sambódromo do Anhembi. Nas vinhetas, a Manchete continuou comunicando que fazia uma cobertura do carnaval de todo o Brasil.

Vinheta com Elba Ramalho cantando tema da Manchete

Em 1992, chamada prometia 200 hs. de cobertura

1993: primeira cobertura de Salvador

No ano de 1993, época problemática sob gestão do Grupo IBF, a emissora ficou sem os direitos dos desfiles do Rio, pois o seu novo controlador deixou de pagar as parcelas à Liesa. A estratégia foi transmitir o Carnaval de Salvador, mostrando o evento, pela primeira vez, para todo o país. Foi a primeira, portanto, a exibir a então crescente festa baiana para todo o Brasil. No ano seguinte a Band já entrou de cabeça no evento, e a Manchete, embora tivesse continuado a cobrir jornalisticamente com destaque, voltou a priorizar os desfiles do Rio.

Carnaval Axé 93

Axé em Manchete

Durante o ano em que esteve sob gestão do Grupo IBF (que em 1992 adquiriu 50% das ações e o controle da Manchete), a emissora perderia suas principais estrelas, jornalistas, artistas e técnicos. Nessa onda, a renovação dos direitos de transmissão dos Desfiles do Rio e SP também emperrou na questão financeira, afetando o carnaval de 1993. Do limão, uma limonada: a Manchete investiu nos circuitos baianos que, naquele momento ganhavam notoriedade pela franca popularização do Axé. A Manchete foi, portanto, a primeira a cobrir o Carnaval de Salvador para o resto do país, e teve índices de audiência acima do esperado. No ano seguinte, a Manchete voltou ao Rio, e a Band abocanhou a Bahia.

1994: Sambódromo de Manaus

Em 1994, a emissora voltou a dividir a transmissão do Rio com a Globo no domingo e segunda, com as escolas do grupo especial. Na sexta e no sábado, e em vez de exibir os desfiles paulistanos ou do grupo de acesso carioca, a emissora inovou mais uma vez: exibiu pela primeira vez em rede os Desfiles das Escolas de Samba de Manaus. Não por acaso, este foi também o ano de inauguração do sambódromo da capital amazonense.

Imagem 39 de Carnaval da Manchete da Rede Manchete
Em 1994, a Manchete cobriu a inauguração do sambódromo de Manaus.

Agradecimento ao público e aos profissionais

Manchete agradece ao público, aos sambistas, e é homenageada no Botequim do Samba, ao fim das transmissões em 1994.

Em 1995 e 1996, a Manchete exibiu novamente os desfiles do Grupo Especial do Rio em pool com a Globo. Na sexta e no sábado, em vez de mostrar as escolas de São Paulo ou Manaus, a emissora levou ao ar os desfiles dos grupos A e B, de acesso cariocas. Como de costume, os desfiles tiveram locução de Paulo Stein com comentários de Haroldo Costa, José Carlos Rêgo e Antonio Barreira, como mostra abaixo o vídeo da chamada de 1996.

Chamada dos desfiles do Rio em 1996

Garota carnaval 97 da Manchete

Em 1997, com a volta do slogan: Rede Manchete, Estação Primeira do Carnaval, a emissora tentava deixar clara sua superioridade na cobertura. A Manchete também voltou, neste ano, a transmitir os desfiles de São Paulo para todo o país, na sexta e no sábado.

Mas a novidade mesmo foi a eleição que deveria escolher qual seria a Musa do Carnaval naquele ano. O telespectador participaria por telefone para dar seu voto a uma das três candidatas: uma mulata, uma morena ou uma loira. A participação dava ao telespectador a chance de ganhar um carro 0 Km do modelo “Palio”, e mais um carro importado no fim do evento. Mas não era de graça: o participante pagava R$ 3,00 por ligação, via serviço 0900, uma febre na época.

Samba da Manchete - 1997

Vinheta 'Aconteceu, Virou Manchete' com Neguinho da Beija-flor e o concurso de Garota do Carnaval 97

A vencedora foi a loira Marcela Leite, mas não houve efeito prático, já que o resultado só saiu no último dia das transmissões. Durante todo o evento, o concurso rolou, com as vinhetas exibindo as três candidatas.

Em 1999, por falta de recursos e devido à crise iniciada no final de 1998, a Manchete não transmitiu os desfiles, nem fez cobertura especial sobre o evento. Nenhuma região foi coberta. O departamento de jornalismo apenas cumpria a legislação, que exigia 30 minutos por dia de jornalismo, cumprido com uma edição magra do Jornal da Manchete. E olhe lá…