Mesmo premiada internacionalmente duas vezes com o jornalismo ao longo do ano (série Xingu e Conexão Internacional), e aplaudida pela crítica no jornalismo e musicais, um balanço dos dois primeiros anos de operações revela que as classes A e B não dariam retorno financeiro suficiente para pagar os investimentos. A Manchete parte então para uma grade mais popular, estreando sua primeira novela já em 1985.
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Carnaval da Democracia
O sucesso da cobertura do carnaval do ano anterior, com exclusividade e 100 horas de desfiles, incentivou as Escolas de Samba do Rio a criarem a LIESA, Liga Independente das Escolas de Samba, que ficou responsável pela negociação dos direitos de transmissão a partir de 1985. Por isso, já neste ano, a Manchete fez a cobertura em pool com a Globo e a Bandeirantes. No entanto, buscou se destacar, transmitindo imagens exclusivas captadas a partir de 3 equipamentos só seus:
- um helicóptero sobrevoando a avenida;
- uma enorme grua (equipamento que levanta a câmera a grandes alturas); e
- um balão estacionado sobre a Praça da Apoteose.
A TV Manchete transmitiu 155 horas, 96 das quais sem interrupção, e movimentou 500 profissionais para os desfiles. Quando a Escola de Samba “Mocidade Independente” terminou de passar, a Manchete registrava 21 pontos contra 11 da Globo. E, durante o desfile da Mangueira, a Manchete ganhou de 31 a 26 pontos, também contra a mesma emissora.
Jornalismo prestigiado
As novidades do ano começaram em abril. Dia 22 estreou o Manchete Documento, programa semanal de documentários exibido nas noites de terça, às 21h20. Tinha reportagens de Claudia Ribeiro e direção do ex-global Carlos Amorim. O programa deixava de ir ao ar uma semana a cada mês para dar lugar ao Conexão Internacional.
O jornalismo daria orgulho à emissora. Em parceria com a produtora Independente Intervídeo, pertencente ao jornalista Fernando Barbosa Lima, foi ao ar Xingu, mostrando como viviam os índios daquela região. A série foi aplaudida pela crítica, ganhou o prêmio International Broadcasting Society Award 1985 e foi lançada em VHS pela Manchete Vídeo e pela Intervídeo.
Na esteira de Xingu, também foram ao ar, com produção da Intervídeo, as séries Japão – Uma Viagem no Tempo e Rio – Terra Mágica, com iguais repercussão de crítica.
Outro destaque do ano foi a entrevista de Fidel Castro a Roberto D’Ávila no Conexão Internacional, a primeira da TV brasileira depois de mais de vinte anos. O jornalista acompanhou o líder cubano em viagem pelo interior do país e, ao final da jornada, gravou a entrevista.
TV para todas as classes
Passados dois anos da estreia da emissora, a direção concluiu que, fazendo televisão apenas para as classes A e B, a Manchete não se tornaria vice-líder em audiência, e tampouco conseguiria retorno dos altos investimentos que fez até ali. O diagnóstico sugeria que a emissora deveria abraçar as classes C e D.
A decisão foi avançar nestes segmentos, mas sem abrir mão das elites. Rubens Furtado resumiu: “não queremos ir até eles, mas queremos trazê-los até nós“. A ideia era criar atrações que despertassem a atenção do povo, mas com conteúdo. Na prática, se aproximaria ainda mais do perfil de público da Globo.
...continuaremos dando ênfase ao jornalismo, mas entendemos que uma novela pode funcionar como uma alavanca para os programas nobres da emissora. A ideia da Manchete não é a popularização geral da programação. O que já foi conquistado é preciso conservar mas queremos também ampliar o número de telespectadores..
Zevi Ghivelder, diretor de jornalismo da Rede Manchete, em 1985
Por isso, Adolpho Bloch aprovou a produção de novelas, seriados, humorísticos e programas de auditório.
Os primeiros programas com este novo posicionamento entraram no ar no ar em 1 de julho. E atrações que davam bom retorno receberam mais investimento, e foram remanejadas.
Primeira novela
Ainda como resultado da estratégia antiga, em abril estreou a minissérie Tudo em Cima. Mas a partir daquele mês, o foco foi paralisar a produção de minisséries e focar em outros gêneros da dramaturgia, atraindo uma audiência fiel e mais popular.
A primeira novela do canal estrearia em julho, com o remake de Antônio Maria, história que já havia sido adaptada pela Tupi. Foi uma coprodução com a RTP (emissora portuguesa), e a primeira a ser gravada no Complexo de Água Grande, localizado na Zona Norte do Rio de Janeiro. Na época, o centro integrado de produção de novelas e shows da Manchete ainda não estava totalmente adaptado para a produção de programas, mas já contava com o maior estúdio de TV da América Latina. O ator português Sindi Filipe viveu o papel-título, com texto e direção de Geraldo Vietri.
Também estreou Tamanho Família, que inaugurou o formato seriado. Tinha como proposta mostrar uma visão bem humorada do cotidiano da classe média nos anos 80. Os personagens repercutiriam os fatos da vida real ocorridos no dia anterior, numa mistura entre ficção e realidade que desafiava sua produção: os autores escreviam durante a madrugada, o elenco ensaiava de manhã e gravava à tarde, e o episódio era editado e sonorizado até às 19h, entrando no ar no mesmo dia. No elenco, Ivan Candido, Suely Franco, Diogo Vilela, Zezé Polessa, Caio Junqueira e Stela Freitas.
Acordando mais cedo
A grade diária ganhou mais duas atrações: o primeiro tempo da Manchete Esportiva, com Marcio Guedes, às 12h, e a edição da tarde do Jornal da Manchete, com Jacyra Lucas e Leila Richers, às 12h30. Com isso, o Circo Alegre passou para as 10h, e a emissora antecipou o início das transmissões diárias para as 9h da manhã. Finalmente a grade diária estava “completa”.
Jornal da Manchete Edição da Tarde
Mais para a mulher
Clodovil deixou o Manchete Shopping Show para comandar um programa só seu. O vespertino, por sua vez, foi rebatizado e manteve seus integrantes, garantindo retorno comercial. Passou a se chamar “De Mulher para Mulher“, com debates sobre os assuntos do dia-a-dia relacionados ao universo feminino, desde moda, decoração, psicologia, relacionamentos, mercado de trabalho, filhos e saúde, absorvendo grande parte do conteúdo do antigo programa, mas sem Clodovil.
O auge de Xuxa
O Clube da Criança também ganharia novo cenário e novos quadros, fazendo jus ao sucesso que Xuxa e o programa tinham atingido. A apresentadora gravou neste ano seu primeiro disco solo. E também faria no fim do ano seu primeiro Especial de Natal.
Fora da Manchete, a apresentadora atuou no filme dos Trapalhões. Para além do universo infantil, ganhou um quadro no Programa de Domingo, da Manchete, onde contava histórias infantis para os adultos.
Nova grade de horários
A partir de 1 de julho, quando estreou a maior parte das novidades do ano, também houve mexidas de horário em atrações antigas. A grade definitiva* fico assim:
Novo Horário | Programa | Antes de 1/jul |
---|---|---|
10h | Vinheta de Abertura | 11h |
10h | Programação Educativa | 11h |
10h30 | Circo Alegre | 11h30 |
12h | Manchete Esportiva 1o Tempo | – |
12h30 | Jornal da Manchete Edição da Tarde | – |
13h | FM TV | 18h |
14h | De Mulher para Mulher | – |
15h30 | Clube da Criança | 15h |
18h30 | Antonio Maria | – |
19h30 | Tamanho família | – |
20h | Manchete Esportiva 2o Tempo | 20h |
Horários a partir de agosto de 1985.
* Em 1 julho, O Clube da Criança foi ao ar às 14h, seguido pelo De Mulher para Mulher às 17h. Mas a partir de 1 de agosto, os programas mudaram de posição.
Novas afiliadas
A rede continuou ampliando sua cobertura nacional ao longo do ano de 1985, com a afiliação de emissoras locais que antes integravam outras redes, e também canais totalmente novos, recém outorgados pelo Governo Federal a empresários regionais. Desta forma, em 1985 a Rede Manchete chegou a Santa Catarina (TV Barriga Verde, ex-SBT), Rondônia(TV Rondon, canal novo), Interior de Minas (TV Minas, novo canal) e Bahia(TV Bahia, nova). E trocou sua afiliada em Brasília (DF, canal 6, ex-SBT) onde a Manchete até então chegava via TV Nacional (canal 2)
TV Bahia
Em abril, a Manchete chegava à Bahia, atingindo 4 milhões de novos telespectadores em 56 municípios, através da estreante TV Bahia. A nova TV dos baianos na realidade se apresentava como uma verdadeira rede estadual, composta por seis outorgas concedidas à família de Antonio Carlos Magalhães. A Rede Bahia podia ser sintonizada pelo canal 11 na Grande Salvador; 8 em Feira de Santana; 13 em Ilhéus, 9 em Itabuna; 2 em Jequié , e 10 em Vitória da Conquista.
Mantendo o padrão das emissoras próprias da Manchete, a rede baiana investiu para ter o mesmo nível tecnológico da matriz, inclusive instalando o mesmo modelo de transmissores (polarização circular, da RCA). Assim proporcionaria, na largada, a melhor imagem, mesmo em locais muito distantes.
Os baianos ganharam, além dos programas de rede da Manchete, duas atrações locais: Manchete Esportiva Bahia, às 13h, e Bahia em Manchete às 19h15. Este telejornal noturno acabou sendo o primeiro jornal local da rede, que sódois anos depois adotaria o padrão “Praça em Manchete” em suas emissoras próprias.
Mas a TV Bahia se afiliou à Globo dois anos depois, e a Manchete automaticamente assinou contrato com a ex-afiliada global, a TV Aratu (canal 4), com quem permaneceu até 1995.
TV Brasília
Em 1 de julho, a TV Brasília – canal 6 do Distrito Federal – passou a integrar a Rede Manchete de Televisão, se tornando sua mais importante afiliada. A TV Brasília chegou a produzir um telejornal de rede nos anos seguintes, o matutino “Brasil 7h30″, anos mais tarde rebatizado de “Tele-manhã”.
Troca-troca de canais em Brasília
Em 1985, foi aberta uma licitação para a concessão de um novo canal na capital federal (12). Manchete, SBT e Bandeirantes concorreram, mas como a Band estava fora da capital federal desde 1982(quando interrompeu parceria com a TV Nacional), a rede paulistana foi a escolhida para ocupar o novo canal.
A Manchete era a preferida para a vaga no começo do processo. Mas a cobertura ampla e ostensiva que a emissora fazia a favor das “Diretas Já”, desde o início do movimento, incomodou o Presidente Figueiredo (último da ditadura militar).
No entanto, logo após ganhar a nova outorga, a Bandeirantes também entrou com tudo a favor das “Diretas”. Figueiredo se irritou com a mudança de tom da emissora, e voltou atrás. A Band já havia até encomendado caros equipamentos – e importados – para montar a nova filial.
O presidente da República revogou a outorga com o Grupo Bandeirantes e entregou o canal ao SBT. A rede de Silvio Santos, então, assinou um distrato com a TV Brasília, sua afiliada na cidade, definindo que a partir de 1 de julho, o canal seis não mais transmitiria a programação nacional do SBT.
Figueiredo acabou se arrependendo e, pouco antes de encerrar seu governo, deu à Bandeirantes um novo canal, número 4 VHF, “aberto” só para possibilitar a retratação do governo com o grupo paulistano. Com Bandeirantes e SBT estreando novas frequências na cidade, portanto, numa só tacada Brasília pulou de quatro para seis canais de televisão (um aumento de 50%).
No entanto, a confusão não tinha acabado por aí: no início do governo Sarney, em 1986, e a consequente saída dos militares do poder, o Congresso Nacional decidiu paralisar os mais de 140 processos de outorgas de radiodifusão concedidos por Figueiredo em seu último ano de governo. Os parlamentares alegavam haver denúncias de que grupos ligados aos militares foram beneficiados devido ao alinhamento ideológico ou simples troca de favores. O imbróglio só se resolveu ao longo de 1986, depois de longa análise de deputados e senadores, o que permitiu finalmente que SBT e Bandeirantes começassem a operar.
O SBT, portanto, deixou a TV Brasília em 1 de julho de 1985, sem poder começar a veicular sua programação pelo novo canal. Ficou praticamente um ano fora do ar na capital federal.
Jornalismo comunitário
Dia 6 de setembro de 1985, estrearam os jornais locais Praça em Manchete (Rio em Manchete, São Paulo em Manchete, Pampa em Manchete, etc.), de segunda a sexta às 20h. Com quinze minutos, ocupou metade do tempo que até então era da Manchete Esportiva 2o Tempo, que passou para as 20h15.
Nos domingos, a emissora apostou nos jovens. Dia 22 de setembro, estreou o novo Som Maior, com Mylene Ciribelli às 17h. Em novembro, dia 17, foi a vez de Shock, uma revista de variedades para o público juvenil, às 16h.
Chamada do Jornal da Manchete - Fev/85
Do erudito ao popular
Lembrando o fato do novo posicionamento buscar uma expansão de público, e não uma substituição, a Manchete fez questão de manter seu lugar como “referência em conteúdo qualificado”. Além das séries jornalísticas, também estreou em 1985 o memorável “Um Toque de Classe“. Comandado pelo pianista Artur Moreira Lima e pelo saxofonista Paulo Moura, a proposta era popularizar o melhor da música clássica erudita.
Antes que 1985 apagasse as luzes, entrou no ar o show semanal de Mièle. Da safra de programas que estavam sendo concebidos para a nova fase, Miele & Cia estreou em 4 de dezembro, às 21h20. O showman recebia, todas as quintas, convidados famosos, música e o bom humor característico do artista.
Preparação para 86
Clodovil começou a idealizar um programa só seu, de entrevistas, também diário. O “Clô Para os Íntimos” começou a ser desenhado em 1985, mas só entrou no ar no começo de 1986.
Pepita Rodrigues e Carlos Eduardo Dolabella foram para a Manchete, e começaram a pré-produção de um show de variedades diário, com distribuição de prêmios. “Alô Papa, Alô Dola” também foi idealizado em 1985, mas estrearia só no ano seguinte.
Também já estava em pré-produção o primeiro um humorístico da Manchete, um programa semanal de esquetes com Costinha.
Contradições
Mesmo querendo garantir resultado positivo entre faturamento e investimento, a empresa resolveu gastar bastante nesta mudança de posicionamento. Antônio Maria, uma co-produção com a TV portuguesa, custou mais de 5 bilhões de cruzeiros.
Este momento foi considerado o segundo começo da emissora, quando amenizou slogans classistas e discursos intelectuais e quase preconceituosos, para ir de encontro a uma audiência um mais brasileira.