Novela de Glória Perez, em 180 capítulos, exibida de 5 de outubro de 1987 a 14 de maio de 1988, às 21h30 de segunda a sábado. Estrelada por Lucélia Santos, Carmem foi dirigida por Luiz Fernando Carvalho e Nelson Nadotti, sob direção-geral de José Wilker.
Sobre a novela
Em 1987, após Corpo Santo, José Wilker colocou no ar a maior aposta da sua gestão na Manchete: a novela Carmem. A trama se baseava no clássico conto francês, de mesmo nome, adaptado pela escritora global Glória Perez para Manchete.
O elenco, cheio de estrelas, era encabeçado pela internacional Lucélia Santos, recém saída de Sinhá Moça, da Globo. A novela trazia, além das estrelas principais, um elenco estelar: Paulo Betti, Beatriz Segall, Neusa Borges, Luiz Carlos Arutim, e José Wilker em participação especial.
A novela teve grande repercussão, principalmente por ter abordado uma religião de matriz africana de forma realista na TV, mas a audiência patinou no início, subindo com o tempo. A audiência chegou a média de 15 pontos em São Paulo, uma praça complicada para a Manchete.
“Carmen“(com ‘n‘) é um conto clássico de ficção publicado em 1845 pelo escritor francês Prosper Mérimée, que ganhou projeção internacional com a ópera do também francês Bizet, em 1875, numa das muitas adaptações que o conto teve na história. O enredo narrava o amor possessivo de um militar por uma cigana de 150 anos, que usava magia e sedução para conseguir tudo o que queria do homem. Quando Carmen diz que nao o ama mais, ele a mata.
A ideia de transformar a história em telenovela foi de José Wilker, diretor de dramaturgia da emissora. Na opinião do diretor, que tinha em Carmem seu terceiro projeto à frente do setor, a novela reuniria o realismo de Corpo Santo e o romantismo de Helena, as duas novelas realizadas até então por Wilker na função (Helena ainda estava no ar quando Carmem estreou), e que tiveram boa repercussão de público e
Glória na Manchete
A autora, que colaborava com Janete Clair, assumiu em 1982 a conclusão de uma novela após a morte de sua titular, foi co-autora de Partido Alto ao lado de Aguinaldo Silva, em 1984. Apresentou em 1986 a sinopse de Barriga de Aluguel, sobre fertilização in vitro, mas a direção da emissora achou a trama inverossímel e muito fora da realidade.
Com a negativa daquela que poderia ser a sua primeira novela como autora titular, aceita o convite de José Wilker para fazer Carmem. Com a repercussão da novela, a autora voltou em 1988 para a Globo para adaptar a minissérie Abolição, e em 1990, conseguiu levar Barriga de Aluguel ao ar.
Lucélia Santos: de mocinha a pomba-gira
Depois de 10 anos atuando em novelas da Globo, Lucélia Santos abandonou a líder para dar corpo à protagonista de caráter duvidoso da concorrente. A atriz tinha acabado de dar vida à Sinhá Moça, heroína de Benedito Ruy Barbosa às 18h.
Foi em Lucélia que a autora Glória Perez pensou desde o primeiro instante em que começou a escrever a novela, por sugestão de José Wilker, diretor de Teledramaturgia da emissora.
“Sou uma escritora um pouco médium” diz Glória Perez, informando que, para escrever a história de Carmem, ela imediatamente associou a imagem da cigana ao rosto e à voz de Lucélia Santos, com quem ainda não havia trabalhado. “A partir da confirmação do nome de Lucélia, tudo ficou mais claro e o universo dos demais personagens da novela foi se ampliando“, completou a autora à época.
Adaptação da história
Para adaptar à realidade brasileira, nossa Carmem não era cigana. Como na história original a cigana tinha poder e magia, ao contrário da jovem carioca do subúrbio daqui, Glória Perez aliou à personagem a pomba-gira, a entidade do candomblé relacionada à conquista do amor pelas mulheres, e coerente com a nossa cultura. Carmem incorporava a entidade, personificada neste momento por Neusa Borges, e estava dotada dos mesmos poderes que a Carmen do conto original.
Sinopse da novela
Carmem é uma jovem do subúrbio carioca que faz um pacto com a Pomba-gira prometendo servir e dedicar-se em troca de poder de sedução sobre todos os homens. José é um policial militar que ama Carmem e é amado por Micaela.
Carmem é acompanhada passo-a-passo por Verônica, uma artista da noite, e se aproxima do poderoso Dr. Junot(Maurice Vaneau), um duro empresário, que acaba nas mãos de Ciro(Paulo Betti), um mau caráter com loucura pelo poder, que conhece sua condição de homossexual e usa essa informação para tirar proveito.
Integrada aos costumes atuais, Carmem faz um pacto com a pomba-gira, a quem promete servir e dedicar-se em troca do poder de sedução sobre todos os homens. Só uma coisa lhe está vedada: Se amasse, o encanto estaria quebrado, e ficaria sujeita aos riscos e vicissitudes de uma mulher comum.
A grande virada da novela ocorreu exatamente a partir do momento em que a personagem fazia o pacto com a entidade. “Ela então se torna a Carmem de Merimée e de em toda a sua plenitude” disse Glória Perez à época.
Nesta Carmem à brasileira, foi mantido o clássico triângulo amoroso: Carmem x José x Micaela. O nosso José é um soldado da PM, Para transmitir com um destino igual ao do verdadeiro Don José, que dá
a vida pela bela Carmem.
Seu intérprete é o ator mineiro Paulo Gorgulho, mais conhecido pelos desempenhos em peças e filmes e que realiza com este trabalho sua quarta novela de televisão. A doce e suave Micaela é um tipo perfeito para a jovem atriz Júlia Lemmertz, que viverá na trama de Glória Perez momentos comoventes.
Um quarto vértice foi incluído, ampliando o triângulo amoroso original que movimentará a novela. Para corporificar o destino e a fatalidade, tão presentes nas outras duas Carmem, surgiu Ciro. Ele é o destino em forma de homem e vai provocar grandes transformações na trama. Ciro é o principal motivo da luta interior travada por Carmem, como se os elementos de sua personalidade brigassem uns com os outros.
Ciro é o personagem do ator e diretor paulista Paulo Betti. que já entrou no novo tipo com a visão de que será uma “espécie de antagonista, que exibe um cinismo apocalíptico”. Interpretando esse contrabandista que busca avidamente o poder como único objetivo de vida, Paulo Betti também atua no universo mágico da trama.
“O Ciro recorrerá freqüentemente ao Zé Pelintra, outra entidade do candomblé, tentando se livrar do poder de Carmem e de seus laços”, informa Betti, que está estreando com este papel na Rede Manchete a convite de José Wilker, com quem vem trabalhando muito nos últimos tempos.
Carmem foi uma novela feita por um elenco de atores e atrizes de primeiro time Beatriz Segall, Sônia Clara, Odilon Wagner, Maurice Vaneau, Selma Egrey, Júlia Lemmertz, Guilherme Karan, Roberto Bonfim, Juliana Carneiro da Cunha e Hélio Ary. Um grande destaque no elenco é a missionária Helena Brandão, nome atual da atriz Darlene Glória, que passou a usá-lo há treze anos, quando se converteu à religião evangélica.
Em Carmem, Helena vivia um duplo papel criado especialmente para ela por Glória Perez. Contracenando principalmente com Sônia Clara e Guilherme Karan – a chamada turma da noite na novela, ela revive com toda exuberância alguns momentos que marcaram sua própria vida como Darlene Glória.
A Carmem de Glória Perez
Em matéria da Revista Manchete à época, a autora falou sobre as semelhanças e particularidades de sua personagem em relação à origina: era uma Carmem à brasileira, idealizada por Glória Perez para essa novela de televisão. E não se tratava de uma adaptação, segundo a autora: “Carmem é uma interpretação livre. Inspirada na Carmem do folhetim de Prosper Merimée e na da ópera de Bizet, a novela está centrada no tema da obra clássica, no poder feminino de sedução e apenas acompanha a trajetória da irresistível cigana.“
A primeira grande mudança prende-se exatamente ao tempo em que se passava a novela. Transplantada para o Rio de Janeiro dos dias atuais, a trama ganhou novos contornos, abrindo espaço para a colocação de temáticas contemporâneas.
“Nossa Carmem não é uma cigana“- explica Glória Perez. “Ela nasceu e se criou no bairro da Saúde, zona portuária do Rio.” Por causa dessa modificação na identidade da personagem, a novelista usou um artificio para resgatar o conteúdo místico e mágico da história original.
“De certa forma”, diz Glória Perez, a Carmem de Merimée é uma cigana, uma depositaria de magia”. Para introduzir a magia em sua novela, Glória recorreu a uma entidade do candomblé, a pomba-gira, a que as mulheres recorrem quando querem conseguir
um homem. “Se a personagem fosse apenas cigana, podia não ser aceita como um arquétipo do universo brasileiro. E a pomba-gira
é um de nossos arquétipos mais perfeitos”, esclarece.
Se a personagem fosse apenas cigana, podia não ser aceita como um arquétipo do universo brasileiro. E a pomba-gira
é um de nossos arquétipos mais perfeitosA autora, Gloria Perez, em entrevista à revista Manchete
A autora, que já foi pupila de Janete Clair, encontrou no argumento de Merimée dois elementos capazes de fazer dessa novela uma campeã de audiência a sensualidade e o sobrenatural. Poeta e contista, Glória se entrega à criação de seus personagens e roteiros de maneira solitária, mas realizada e com a satisfação de estar fazendo o que gosta.
“Quando me sento à máquina, escrevo cena por cena guiada unicamente pela emoção. Dessa forma, nunca sei o que vai acontecer no próximo capítulo“- diz a novelista, que segue uma rotina diferente e gosta mesmo de criar suas histórias à noite, depois de conversar bastante com os amigos.
Assessoria candomblecista
Glória Perez contou com a assessoria de dois consultores especiais -os pais-de-santo Francisco Elísio, o Chico, e Paulo Newton. Era o Chico quem desfazia todas as dúvidas que surgiam. Já o Paulo Newton era uma espécie de supervisor direto. Ele acompanhava as gravações, a título de ajudar a produção em todas as questões que se referem ao universo espírita enfocado na novela.
Figurinos
De novo visual, cabelos encaracolados e realçados quase sempre por uma flor, Lucélia Santos usava roupas de cores fortes, geralmente vermelhas. Ela se transformou numa pomba-gira cigana.
O novo look foi criado pelo maquilador das estrelas, Guilherme Pereira, também responsável pelo visual de todos os personagens da novela. Os figurinos eram de Sérgio Reis. No caso específico do guarda-roupa do personagem central, o figurinista criou uma moda sem compromisso.
Sentei no banco da praça e fiquei olhando o povo passar. As roupas em voga não estão nas páginas das revistas. As pessoas fazem as mais estranhas misturas possíveis, mesclando vários estilos e épocas. Foi assim que me inspirei.
Sergio Reis, figurinista
Direção
A direção de Carmem era feita por duas cabeças pensantes – o jovem diretor Luiz Fernando Carvalho e seu parceiro Nélson Nadotti. Luiz Fernando, 27 anos, era um dos responsáveis pelo sucesso de Helena, sua novela de estreia na Rede Manchete. Formado em arquitetura, ele acumulou experiência profissional tanto no cinema quanto na televisão. É um diretor do tipo “uma câmara na mão e milhões de idéias na cabeça” e tem uma preocupação rigorosa com a imagem.
“Quero transformar a linguagem linear da televisão, que ainda é feita geralmente de maneira radiofônica. Nosso trabalho não deve se resumir apenas a rodar e gravar. Estou procurando autenticidade e qualidade.”
Luiz Fernando Carvalho, diretor
Sua pretensão de criar um clima cinematográfico na novela era compartilhada por Nélson Nadotti, jornalista de 29 anos, que dividia a direção de Carmem e tinha uma larga experiência como roteirista e também como assistente de direção de filmes como Nunca Fomos Tão Felizes, de Murillo Salles; Quilombo, de Cacá Diegues; Sonho Sem Fim, de Lauro Escorel; Feliz Ano Velho, de Roberto Gerwitz; e Fogo e Paixão, de Isay Weinfeld.
Era uma novela de poucos personagens, menos de trinta atores principais – e que tem também poucas tramas paralelas. Dessa forma, todos os personagens teriam seus grandes momentos, com a oportunidade de brilhar em solos. É também uma novela atemporal, que se passa em época e lugares indefinidos. Tinha o ar movimentado das grandes cidades. E esta visão atemporal foi uma proposta do diretor Luiz Fernando Carvalho.
“Quando propus a ideia, procurei a modernidade. Isto é, procurei mostrar o conjunto que é a modernidade, que traz em si a leitura do presente, passado e futuro, numa visão essencialmente dialética. Passei essa idéia para cada personagem, para mostrar, psicológica e esteticamente, como alguns evoluíram e outros pararam no tempo. Nada é muito rígido, claro.
Mas a decupagem do tempo estará sutilmente sendo feita pelo telespectador através dos vários elementos que vão aflorar esse sentimento. Posso citar diversos exemplos. A boate onde trabalha Verônica, o personagem de Helena Brandão, apresenta traços da década de 50; a casa de Carmem lembra a década de 20; 0 cenário de Junot é de 1990, mas demonstra uma certa decadência. Enfim, a novela traz, em seu desenho, a memória de várias épocas.
Grande esquema de produção
Para chegar ao vídeo da Rede Manchete, a novela Carmem foi produzida obedecendo a um rígido planejamento, pois era uma novela de ação. E isso equivale a dizer que obedecia uma enorme mobilidade de gravação.
Além dos diversos cenários montados no estúdio de Água Grande (seguindo a linha básica do cenógrafo Raul Neves de “vestir cada personagem também com o seu cenário”), a produção era obrigada a criar ambientes novos com muita frequência, uma vez que as cenas eram gravadas em diversos sets.
Elenco de Carmem
- LUCÉLIA SANTOS – Carmem
- PAULO BETTI – Ciro
- PAULO GORGULHO – José
- DARLENE GLÓRIA – Verônica / Ester
- JOSÉ WILKER – Camilo
- JÚLIA LEMERTZ – Micaela
- BEATRIZ SEGALL – Alzira
- NEUZA BORGES – pomba-gira
- LIANA DUVAL – Izaltina
- BIA SION – Creuza
- JOSÉ DUMONT – Aluísio
- MAURICE VANEAU – Dr. Junot
- ODILON WAGNER – César
- JULIANA CARNEIRO DA CUNHA – Virgínia
- SELMA EGREI – Nina
- DEDINA BERNARDELLI – Duda
- GUILHERME KARAN – Trajano Paulo
- SÔNIA CLARA – Paula
- CAMILO BEVILACQUA – Hélio
- THERESA AMAYO – Rosimar
- LUÍS DE LIMA – Costa
- TÂNIA NARDINI – Juli
- BRUNO GIORDANO – Ivo
- ROSITA TOMAZ LOPES – Madame Klotz (Edwiges Junot)
- NÉLIA PAULA – Semíramis
- HÉLIO ARY – Ary Magalhães
- LUÍS CARLOS ARUTIM – Pimentel
- CIDINHA MILAN – Pilar
- XALA FELIPPI – Cissa
- LIZANDRA CAMPOS – Manu
- ROSIMAR DE MELLO – Mocinha
- CARMEM FIGUEIRA – Deusa
- ELISA FERNANDES – Germana
- MÁRIO CARDOSO – Ribeiro
- ROBERTO BONFIM – Júlio
- ANTÔNIO GRASSI – Pepe
- NIFFER CORTEZ – cigana
- IVAN DE ALMEIDA – Delegado Marcos de Almeida
- JAYME DEL CUETO – Detetive
- CHICA XAVIER – mãe-de-santo
- ODETE BARROS – cartomante
- VICENTE BARCELLOS – Caíque
- FÁTIMA FREIRE – Patrícia
- CARLA TAUSZ – Terezinha
- EDUARDO TORNAGHI – amante de Carmem
- MÍRIAM PIRES – mãe de Verônica
- IVAN SENNA – Dr. Armando Castro
- LEONARDO JOSÉ – Dr. Brandão
- CLEMENTINO KELÉ – Dr. Araújo
- NILDO PARENTE – Dr. Geraldo Sabóia
- KLEBER DRABLE – Juiz
- VANDA LACERDA – Juiza
- CLÁUDIO MAMBERTI – Promotor
- CLEMENTE VISCAÍNO – Delegado
- HÉLIO SOUTO – Senador Bastos
- CLARICE DERZIÊ – Maria Priscila Bastos
- GILDA CRUZ – Gina
- HENRIQUE NUNES – Ricardo
- ROBERTO OROSCO – Roberto
- ALFREDO MURPHY – Pedro
- REBECA BUENOSILVA – Mírian Vaz
- LUÍS FELIPE DE LIMA – Lula Costa
- HUMBERTO MARTINS – repórter de TV
- BRENO BONIN – pescador espanhol
Curiosidades
O candomblé retratado sem preconceitos rendeu elogios à autora e à Manchete. Mas a igreja não gostou das cenas mais pesadas. Deu o bafafá da hipocrisia brasileira medieval e do país pouco laico.
A novela foi tema de uma ala do desfile da Escola de Samba Imperatriz Leopoldinense de 1988.
Silvio Santos fez uma participação especial na novela. O apresentador abriu as portas do Programa Silvio Santos para a personagem Creuza (Bia Sion) participar do quadro Namoro na TV. Sonhadora e romântica, Creuza vai até lá solicitar um namorado através da mídia eletrônica.
Reprise
Carmem foi reprisada em forma compacta de 19/03 a 07/06/1990, em 69 capítulos, de segunda a sábado às 13h (e mais tarde às 13h15).