Novelas e séries que despiram o Brasil

A Manchete buscou se diferenciar com novelas que exaltavam a cultura e a história do Brasil. Com inovações na narrativa estética, abusando das cena externas, belezas naturais, e da sensualidade para chamar a atenção. Revelou novas técnicas que depois foram incorporadas pelas outras TVs. Novelas que sucesso de público e critica, e outras que fracassaram e sangraram seus cofres.

Na boca do povo

A dramaturgia foi, com certeza, um dos setores mais importantes na trajetória da TV Manchete. De lá saíram sucessos marcantes da TV brasileira, e também fracassos que deram o que falar. Antes fora dos planos da emissora, as novelas tornaram-se logo uma das marcas registradas do canal, com sucessos que repercurtem até hoje, como: Dona Beija, Kananga do Japão, Pantanal, A História de Ana Raio e Zé Trovão e Xica da Silva.

Mas esta história também teve capítulos difíceis e desfechos bem trágicos. Refletindo trajetória da própria emissora, as novelas também renderam ciclos de crises a euforias, nas quais as próprias obras eram alçadas ao papel de protagonistas, fossem produções de sucesso, quando eram consideradas verdadeiras heroinas, ou nos fiascos. As tramas que fracassavam usualmente levavam a culpa pelos períodos de “apertos” financeiros que comumente se sucediam.

Mauricio Shermann e Ary Coslov

A Manchete começou sua produção dramatúrgica em 1984, com a minissérie Marquesa de Santos, estrelada por Maitê Proença. A história sobre a amante de Dom Pedro I, atingiu índices aceitáveis de 7 pontos de audiência no Rio. Sem estúdios apropriados para as gravações, sua produção foi realizada no estúdio fotográfico das revistas da Bloch Editores, e no teatro Adolpho Bloch, onde eram gravados todos os demais programas produzidos pela emissora.

Maite Proenca e Gracindo Junior, em Marquesa de Santos, Manchete, 1984
Maite Proenca e Gracindo Junior, em Marquesa de Santos, Manchete, 1984

Estúdios da Tupi

Em 1985, a emissora continuou a investir e lançou mais duas minisséries, desta vez gravadas nos antigos estúdios da TV Tupi, a emissora à qual sucedeu pelo canal 6 carioca. A ideia foi do diretor artístico Mauricio Shermann, que negociou o aluguel com a massa falida da antiga emissora. O edificio, que havia abrigado o famoso Cassino da Urca décadas antes, preservava infra-estrutura adequada para a gravação de novelas. Outra vantagem era a distância até a sede da Manchete: apenas 3 Kilômetros.

As minisséries Santa Marta Fabril e Tudo em cima, com desempenhos regulares, foram sucedidas pela co-produção luso-brasileira Antônio Maria. Mais longa que as quatro produções anteriores, foi a primeira do formato novelístico do canal.

Na sequencia de Antonio Maria, também estreava Tamanho Família, um seriado de humor que repercurtia os fatos ocorridos no dia anterior. O resultado geral, porém, foi morno: a emissora não conseguiu ultrapassar a média de 5 pontos.

Gestão ‘Herval Rossano’

Complexo Televisivo de Água Grande

Depois destas produções mornas, a emissora se estruturou melhor, transformando alguns galpões de papel, localizados no subúrbio carioca, no que viria a ser o primeiro complexo televisivo integrado da América Latina.

A primeira novela produzida no Complexo de Água Grande, sob direção de Herval Rossano, se espelhou na primeira aposta, dois anos antes. Assim como ‘Marquesa de Santos’, retratou a biografia de outra brasileira que deu o que falar no período imperial, inclusive repetindo o casal de protagonistas: Dona Beija, com Maitê Proençca e Gracindo Jr., que teve repercussão nacional, médias em torno de 15 e pico de 31 pontos no Rio.

Anúncio provocador de Dona Beija
Anúncio provocador da novela Dona Beija, com Maitê Proença

Fase ‘José Wilker’

Em 1987, José Wilker assume a direção de dramaturgia, lançando a novela-reportagem Corpo Santo, com uma série de rostos globais, narrativa factual e altas audiências. Considerada violenta por alguns, contra uma grande inovação por outros.

thorloni
TORLONI S14 ARQUIVO 14/08/1987 VARIEDADES JT – Cristiane Torloni aos 30 anos, quando trabalhou na novela “Corpo santo” da TV Manchete – FOTO NEM DE TAL/AE

A partir daí foram ao ar várias de novelas, que, embora reconhecidas pela crítica e com profissionais renomados como Gloria Perez, Mario Prata, Ary Coslov, Lucélia Santos, Christiane Tornoli, Reginaldo Faria, Aracy Balabanian, e o próprio Wilker atuando eventualmente, não explodiram em audiência. Mas consolidaram a linha de produção, com a veiculação diária de duas produções inéditas como Helena, “Carmem” e “Olho por Olho“.

José Wilker entrou em Carmem para viver um romance com protagonista
José Wilker entrou em Carmem para viver um romance com protagonista

A Era ‘Jayme Monjardim’

O grande sucesso de crítica e público viria novamente em 1989. Nilton Travesso, então diretor de programação da rede, indicou Jayme Monjardim para a diretoria artística. Jayme escalou a premiada cineasta Tizuka Yamazaki para a direção-geral da novela Kananga do Japão, com sinopse de Carlos Heitor Cony, texto de Wilson Aguiar Filho e desenvolvida a partir de uma idéia de Adolpho Bloch.

Cena de Kananga do Japão gravada em Paris
Cena de Kananga do Japão gravada em Paris

Kananga do Japão levou a emissora ao segundo lugar de audiência no horário, e foi mais aplaudida pela crítica especializada dentre as produções do canal carioca.

Começava uma fase especialmente positiva para a dramaturgia da Manchete, que só terminaria em 1992.

O clímax de Pantanal

Depois de “Kananga” veio a “arrasa televisão” Pantanal. Nessa época, a Manchete liderou a audiência no horário e ocupou o segundo lugar no ranking geral no país (em São Paulo, onde tradicionalmente o desempenho da emissora era pior, brigou com o SBT pelo segundo lugar geral, mas liderou em mais de 50% dos capítulos de Pantanal).

Capa da Revista Veja sobe Pantanal
Capa da Revista Veja sobe Pantanal

O Canto das Sereias

O clima empolgante do sucesso de “Pantanal” estimulou a produção de muitas minisséries, todas com temáticas sobrenaturais, que seguravam o público de Pantanal. A maior audiência da faixa batizada de “Fronteiras do Desconhecido” foi “O Canto das Sereias“, formando com a trama do Velho do Rio um dueto que garantia à Manchete o primeiro lugar absoluto das 21:30h às 23:40h.

Levada ao ar diariamente logo após a saga pantaneira, a minissérie foi protagonizada por Ingra Liberato e filmada na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha e fez larga frente à produção global “Boca do Lixo”, estrelada por Silvia Pfeifer. Nessa época, estudava-se a proposta de se criar um novo horário de novelas, às 19:30hs, que naquele momento, era ocupado pela reprise de Kananga do Japão.

O Canto das Sereias, com Ingra Liberato, Nani Venâncio e Andreia Fettar
O Canto das Sereias, com Ingra Liberato, Nani Venâncio e Andreia Fettar

Rodando o Brasil

Em 1991, foi ao ar a itinerante “A História de Ana Raio e Zé Trovão“, com a qual a Manchete não atingiu o mesmo sucesso da anterior Pantanal, mas que mesmo assim, manteve a vice-liderança. Estrelada por Ingra Liberato e Almir Sater, a novela contava a história das grandes caravanas de rodeios, onde as principais estrelas eram Ana Raio, com seu cavalo Raio e Zé Trovão, com o seu Trovão.

manchete.org - Ana Raio e Zé Trovão
A História de Ana Raio e Zé Trovão – arte oficial.

Surge uma história de amor entre os dois que será constantemente ameaçada por Dollores Estrada, personagem de Tamara Taxmann, chefe da Caravana que recebia o seu nome e da qual os dois peões eram integrantes.

O anticlímax com Amazônia

Em 1992, Amazônia surgia como uma tentativa de se repetir o sucesso de Pantanal. Jayme Monjardim trabalhava com cuidado a produção da novela que traria a Manchete de volta à liderança em audiência. A produção estava atrasada e a Manchete levou ao ar da minissérie “O Fantasma da Ópera“, enquanto Amazônia não entrava no ar.

Campanha de Lançamento de Amazônia, com Cristiana Oliveira, em dez de 1991
Campanha de Lançamento de Amazônia, com Cristiana Oliveira, em dez de 1991

Em meio a confusão, a Globo contratou Jayme Monjardim, que deixou a Manchete e Amazônia sem direção. A emissora então chamou a experiente Tizuka Yamazaki, que já tinha dirigido “Kananga do Japão” em 1988. A novela fracassou, a trama original terminou subitamente e deu espaço a uma nova história denominada “Amazônia Parte 2″, que também não agradou. Poucos perceberam quando a novela chegou ao fim.

Censura

Em 1993, iniciou-se a produção de “O Marajá“, novela escrita por Regina Braga e José Dummont, com enredo inspirado no ex-presidente Fernando Collor de Mello. No dia da estreia, o político conseguiu uma liminar proibindo a exibição da novela.

Os personagens de Collor e Rosane eram Elle e Ellla em O Marajá
Os personagens de Collor e Rosane eram Elle e Ellla em O Marajá

A censura obrigou a Manchete a fazer uma novela às pressas, aproveitando o elenco e toda produção. O autor, responsável por uma narrativa ultra-realista – como vistos em Corpo Santo e Olho por Olho, escreveu “Guerra sem Fim“, protagonizada por Ângela Leal, Alexandre Borges e Julia Lemmertz. A história que contrava o dia-a-dia de um traficante carioca dentro da favela, teve audiência regular, mas foi um sucesso de crítica.

Fim da produção

Em 1994, a necessidade de levar ao ar programas rentáveis e com custo mínimo, levou a direção a escolher uma produção independente para substituir “Guerra”. 74.5- Uma Onda no Ar, com Ângelo Antônio e Letícia Sabatella, produzida pela Tv Plus.

Em 1995 é criada a Bloch Som & Imagem, que teria como missão produzir programas e novelas para a TV Manchete. A empresa foi um artifício para que, no caso de haver o confisco de seus bens por seus credores ou pelo seu ex-sócio. A Bloch Som & Imagem seria, em teoria, a verdadeira proprietária dos equipamentos, novelas e até do seu Centro de Televisão de Água Grade. Sob propriedade da BSI, a Manchete produziria e veicularia suas quatro últimas novelas.

Período ‘Walter Avancinni’

Ainda em 1995, a novela Tocaia Grande entrava no ar, marcando a volta da Manchete à produção dramatúrgica. No mesmo ano, Walter Avancinni assume a direção da novela, e do departamento de Dramaturgia.

Cidade Cenográfica de Jatobá, de Tocaia Grande, 1995
Cidade Cenográfica de Itabuna, de Tocaia Grande, 1995

‘Xica’ consagra talento no gênero

Depois dessa época, a rede só voltaria a obter alto retorno, com a estréia de Xica da Silva, no dia 17 de setembro de 1996. A novela situada no século XVII contava a história da escrava que virara Rainha em meio à oposição de uma sociedade hipócrita e movida pela cobiça do diamante.

Xica da Silva, Taís Araújo na Liteira.
Xica da Silva, Taís Araújo na Liteira.

Com o término de Xica da Silva, é lançada a sertaneja Mandacaru, estrelada por boa parte do elenco da sua antecessora. Baseada na vida dos cangaceiros que desejavam a vingança da morte de Lampião, não repete o sucesso de Xica da Silva, ficando na média dos 8 pontos percentuais. A novela durou um ano.

Novela sem final

Após o término da regular Mandacaru, é lançada Brida, baseada no best-seller de Paulo Coelho. O sucesso de público dos livros, porém, não aderiu à novela, que registrou audiência decrescente durante três meses.

Com longeva fragilidade financeira e assolada por uma recessão econômica mundial, a TV Manchete vê sua programação de desmontar devido às greves dos seus funcionários. A falta de pagamentos de salários chega ao elenco de Brida que, sem novas cenas para compor capítulos, tem seu final antecipado com a narração de seu desfecho narrado por Eloy de Carlo, o locutor oficial da emissora.

Imagem de Novelas da Rede Manchete
1998: Bruxa à solta

Assim como a Globo, a Manchete exportou suas grandes novelas pra Europa, EUA e Ásia. Dona Beija, Kananga do Japão, Pantanal, A História de Ana Raio e Zé Trovão e Xica da Silva foram assistidas em todo o mundo.

Leia também: Marcus Viana: a Sinfonia da Manchete

Por Diogo Montano

Diogo Montano é Bacharéu em Ciência da Computação, pós graduado em Gestão de Negócios, e trabalha há quase vinte anos unindo duas coisas que sempre gostou: comunicação e tecnologia. Cresceu assistindo à Globo e Manchete, canais de tv que tinham as melhores imagens da região. Em 1999, ainda antes de entrar na faculdade, publicou a primeira versão deste site, logo após a venda da Manchete.