Manchete investiu U$S 20mi para conquistar SP

Rejeitada em São Paulo por seu sotaque carioca, a Manchete disputava a terceira posição com Bandeirantes e Record, quando no Rio já era vice em audiência e também em faturamento. O plano para igualar o desempenho no maior mercado publicitário do país previa criar estrutura suficiente para, em poucos anos, gerar e produzir metade dos programas a partir de São Paulo.

Menor audiência no maior mercado

Durante seus primeiros anos de vida, a Manchete era para o Rio o que o SBT representava para São Paulo: a primeira opção à Globo para telespectadores e profissionais de televisão. Na capital fluminense, a emissora era vice em audiência e até incomodava a Globo durante o sucessos como o carnaval ou Dona Beija (que chegou a registrar 42 pontos contra 41 da líder).

Para se ter uma ideia, em 1985 o Jornal da Manchete , conseguia médias de 8 e picos de 11 pontos no Rio, no horário de exibição da novela “arrasa-quarteirão” Roque Santeiro. Já em São Paulo, os números eram bem mais modestos. Com exceção de Dona Beija, Xuxa ou Carnaval, a Manchete disputava o terceiro lugar com Bandeirantes e Record. Era comum um mesmo programa ter 16 pontos no Rio e apenas 4 ou 5 em São Paulo.

Já baxtava a Globo

O principal motivo apontado para a baixa audiência em SP era o bairrismo local, que dispensava à Globo audiência o bastante. Seria lógico, então, que o paulistano buscasse conteúdos mais próximos à sua realidade nos outros canais.

A Globo era líder inconteste no mercado nacional, com produtos percebidos como de maior qualidade. Neste caso, o CEP tinha menor relevância, pois características relacionadas à qualidade se sobrepunham à questão local. Ainda assim, era tradição a Globo registrar, em São Paulo, números menores que no resto do pais, principalmente quando comparados aos números do Rio.

Ter o sotaque e acabar gerando mais conteúdo mostrando casos, problemas e pessoas da cidade onde fica a maior operação de produção e gestão da empresa é natural, mas também é inevitável que isso gere maior ou menor identificação com o público. Ou até gerar rejeição…

A visibilidade que a Manchete dava ao Rio de Janeiro era ainda maior que a Globo. Era exatamente o contrário do que faziam todas as outras emissoras: SBT, Bandeirantes, Record, Gazeta e Cultura.

Dupla cidadania

A possível rejeição do paulistano não estava no radar da emissora, e isso ficou claro na diferença estrutural entre matriz e filial: no Rio, a emissora tinha uma estrutura equiparável à Globo, e tecnologicamente superior durante anos.

Em São Paulo, apesar da excelência audiovisual, a Manchete tinha instalações semelhantes a Fortaleza/PE e Recife’/PE. O jornalismo funcionava ao lado da torre de transmissão, num um um pequeno prédio de três andares que acomodava redação, técnica, administração, estúdio e tudo mais… (a redação das revistas funcionava em outro prédio, próximo à Av. Paulista).

Imagem de Estrutura da Rede Manchete
1983, Torre de SP no Sumaré, ao lado de pequeno prédio que abrigava trtansmissores, técnica, administracao, redação e estúdios. Sumaré-SP.

A emissora percebeu rápido que precisaria cativar o paulistano para fazer frente a SBT, Bandeirantes e Record. Aumentar os números lá significaria um ganho de receita 6x maior do que em outras capitais. Afinal, se no Rio 1% de audiência representava 45k televisores ligados, em São Paulo era o equivalente a cerca de 300 mil aparelhos.

Aliado a isso, as instalações do Rio (Glória e Água Grande) estavam operando no limite de suas capacidades, pois a emissora produzia 75% do seu conteúdo, o maior percentual dentre as redes nacionais.

A direção então traçou um plano ousado: produzir e gerar metade da programação a partir de São Paulo em dois anos, mantendo a produção de novelas, jornalismo local e jornalismo nacional no Rio. Com isso, a Manchete pretendia roubar o segundo lugar do SBT e se consolidar como vice em audiência, mas líder em qualidade (assim costumava dizer Adopho Bloch).

Anúncio em Jornais de São Paulo
Anúncio na Folha de São Paulo

Em 1987, o grupo vendeu a “Casa da Manchete” em São Paulo, um palacete localizado na região mais cara da capital que volta e meia era cenário de eventos culturais da cidade. Com o dinheiro, comprou um terreno num local estratégico e começou a construção de um novo complexo que, não seria apenas uma filial, mas sim uma segunda sede, com toda a infraestrutura necessária para a produção do jornalismo e de atrações para a grade nacional.

O plano para chegar neste objetivo não esperaria o prédio ser concluído: a programação local foi incrementada ainda nos estúdios antigos, com a estreia, de imediato, de um novo telejornal matinal para toda a rede: São Paulo 8:00.

Arquitetado por Oscar Niemeyer, que também fez os projetos de todos os outros prédios da Bloch, o complexo tinha 11.000m2 construídos, e ficava na região do Limão/Casa Verde, próximo à marginal Tietê, região estratégica para o deslocamento das equipes.

O complexo era composto por dois prédios que se conectavam como um “T”: um deles se assemelhava à sede carioca na Praia do Flamengo, com 5 pavimentos dedicados à administração, redação da Bloch, e todo o departamento comercial das empresas. O outro prédio teria estúdios e produções de programas, a Manchete FM, e tinha arquitetura semelhante ao prédio paulistano do Sumaré.

Em agosto de 89 a nova sede foi inaugurada, tendo consumido 25 milhões de dólares no total. Lá seriam produzidos programas como Mulher 90, Sem Limite, Osmar Santos Show, etc.\

Virou matriz

Durante a gestão do grupo IBF, a sede foi formalmente transferida para a cidade, e todos os programas e suas produções foram transferidos para o complexo da Casa Verde. Todos os telejornais foram gerados de lá, além dos programas não dramatúrgicos: Almanaque, Clodovil Abre o Jogo, Clube da Criança, Milk Shake, Noite Dia, Programa de Domingo, etc…

Meio a meio

Um ano depois, em abril de 1993, a família Bloch retomou a emissora na justiça, e imediatamente retornou tudo para o Rio. Foram dois anos com estúdios às moscas, já que a emissora deu prioridade à produção independente como estratégia para reduzir seus custos.

A partir de 1996, São Paulo voltou a produzir e gerar programas para toda a rede, com um número de estreias ainda maior em 1997. Lá foram feitos, neste período: (além dos jornais locais. que nunca deixaram de ser produzidos na cidade): Mulher de Hoje, Programa Raul Gil, Sula Miranda Show, Na Rota do Crime, Domingo Milionário, Domingo Total, Momento Econômico, Frente a Frente, etc.

Por Diogo Montano

Diogo Montano é Bacharéu em Ciência da Computação, pós graduado em Gestão de Negócios, e trabalha há quase vinte anos unindo duas coisas que sempre gostou: comunicação e tecnologia. Cresceu assistindo à Globo e Manchete, canais de tv que tinham as melhores imagens da região. Em 1999, ainda antes de entrar na faculdade, publicou a primeira versão deste site, logo após a venda da Manchete.