Emissora foi arrendada para igreja em última tentativa de salvação

Em 1999, o grupo alugou toda a grade da Manchete para a Igreja Renascer, mas o acordo foi considerado ilegal, e cancelado um mês depois.

Em 1º de janeiro de 1999, a Manchete e SBT foram as únicas redes a transmitirem totalmente a cerimônia de posse do presidente re-eleito Fernando Henrique Cardoso. Ironicamente, naquele momento, as duas redes de televisão que não tinham departamentos de jornalismo.

Dias depois, em 4 de janeiro, Pedro Jack Kappeller surpreende todos os que acompanhavam a crise da Rede Manchete, e declara que havia fechado, na véspera, um contrato de “parceria” com a Fundação Renascer para a gestão da emissora.

Através de seu braço de produção audiovisual, a Rede Gospel Comunicação, produtora dos programas de TV da igreja, a Renascer produziria os programas e exploraria receita publicitária de toda a grade da Manchete.

Pelo acordo esquisito, que não era tratado nem como venda nem arrendamento, o grupo Bloch continuaria sendo o proprietário da Rede Manchete, e, teoricamente, seria o responsável final por aprovar a grade.

Antes do acordo, o líder da Renascer, Estevan Hernandez, sempre negou o interesse na compra a emissora, alegando falta de capital, apesar da igreja fosse apontada em dezembro como umas das possíveis compras.

A produtora R.G.C. Produções Ltda, pelo contrato firmado entre Jaquito e a Fundação Renascer, passaria a dividir a responsabilidade pela produção, operacionalização e comercialização das cinco emissoras que compunham a rede, sob pagamento mensal de 60 parcelas fixas de R$ 4,8 milhões, por 15 anos.

A “Nova Manchete”

Uma nova vinheta passa a ser veiculada, onde o locutor dizia “Nova Manchete, tudo novo no verão 99”. O sobrenome bloch (abaixo da letra M da Manchete) deixou ser exibido e passou exibir a RGC (sigla de Rede Gospel de Comunicações).

A produtora passa a deter o controle da rede e promete pagar em 90 dias os salários atrasados dos funcionários do Grupo Bloch (incluindo a gráfica e a editora), que também deverá pagar a dívida com o INSS e a Embratel, consideradas prioritárias. O bispo Antonio Carlos Abbud (sócio do presidente da Renascer, do auto-intitulado apóstolo Estevam Hernandes), não se trata da compra da rede e sim, de uma sociedade. Neste cenário, o novo homem forte da Manchete seria o publicitário Antônio Carlos Abbud.

O contrato ainda não pode ser considerado concluído, pois ainda depende da aprovação de Carlos Sigelman, sócio e primo de Jaquito. Além da resistência de Sigelman, Jaquito enfrenta a desconfiança dos representantes sindicais dos funcionários da Manchete.

Pegos de surpresa, os sindicalistas não demonstram apoio do controle da emissora para a entidade religiosa. O Sindicato dos Radialistas acusa a igreja de cometer diversas irregularidades trabalhistas nas rádios que estão sob o seu controle. Os sindicalistas fazem uma reunião às 14hs com o ministério das comunicações para avaliar o contrato firmado. Hamilton de Oliveira se manifestou contra o acordo.

Há evidência que a direção do Grupo Bloch ter feito manobras para impedir que o Banco Pactual assumisse a rede, pois a direção preferiu assinar com a produtora ligada à Igreja Renascer. A emissora melhorou muito, tanto financeiramente, quanto internamente e no conteúdo. A igreja passa a produzir todos os programas e a vender os espaços comerciais da emissora, mas não paga os salários dos funcionários, atrasados em quatro meses.

No dia 5 de janeiro, o bispo da igreja, Antonio Carlos Abbud, que está coordenando as negociações, afirma que a igreja não vai assumir as dívidas da Rede Manchete. “Vamos estabilizar a emissora nesse primeiro momento e receber dinheiro de anunciantes”. A dívida com atrasados é de cerca de R$ 20 milhões, segundo o Sindicato dos Radialistas de São Paulo. No mesmo dia, Manchete ganhou um novo prazo do Ministério das Comunicações para comprovar que estava em dia com o INSS, o que é necessário para renovar as cinco outorgas que possui no país, vencidas desde agosto de 1996. Essas certidões negativas de débito, que deveriam ser apresentadas no dia 18 de janeiro, poderão ser encaminhadas até a segunda quinzena de maio. O ministério não foi informado.

A Igreja Renascer cria três números de telefone, especialmente para os fiéis ajudarem a pagar o arrendamento da rede: O fiel pode contribuir com R$ 10 (0800-7010-10), R$ 25 (0800-7010-25) ou R$ 50 (0800-7010-50) reais. Em uma gravação, a bispa Sônia Hernandes, fundadora da igreja, agradece a ligação, sem informar a finalidade da contribuição nem como a conta será cobrada. O telefone é divulgado em programas da Renascer, nos quais também não é mencionado que a arrecadação servirá para pagar o arrendamento da Manchete.

No dia 6 de janeiro, o bispo Antonio Abbud anunciou que até o próximo dia 20 será anunciado a nova programação da emissora e que o processo de reestruturação deverá terminar num prazo de seis a oito meses e otimista, ele acredita que a emissora tenha condições de brigar pela audiência. Mas não explicou qual será a nova programação que será definida pela Igreja Renascer. Estevão Hernandez declara que a igreja já está pedindo mais contribuições dos fieis para arcar com as novas despesas. Portanto, fica claro que a dívida da Manchete será paga pelos fieis da igreja. No mesmo dia, os grevistas, sindicatos e o Ministério das Comunicações marcam para o dia 13, a reunião sobre a crise.

Em 7 de janeiro, a cantora Simony (ex-Balão Mágico) é convidada para fazer um programa infantil. Ela frequenta a mesma igreja que assumiu a Manchete.

No dia 8 de janeiro, é anunciada que a Rede Globo vai transmitir sozinha o desfile das escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro de 1999. É a primeira vez desde 1984, quando adquiriu sozinha, os direitos para transmitir o carnaval na cidade do Rio de Janeiro, em que o Carnaval carioca é transmitido apenas pela Globo. A Manchete tradicionalmente apresenta novelas e alguns programas com forte teor erótico, contrários aos princípios da igreja. Por este mesmo motivo, a Manchete deixa de transmitir o evento que virou símbolo da rede.

Em 11 de janeiro, com dívidas de aproximadamente R$ 500 milhões de reais, Grupo Bloch paga apenas o primeiro dos quatro salários atrasados (incluindo o 13º salário) de seus funcionários desde setembro de 1998. Segundo o Sindicato dos Radialistas do Rio de Janeiro, só os funcionários que não receberam o aviso prévio em setembro e outubro do mesmo ano foram pagos. O sindicato prometeu entrar com ação para que os demitidos também recebam. O pagamento só foi possível depois do acordo firmado entre Manchete e a Fundação Renascer.

Os sindicatos que representam grevistas da rede denunciam que a R.G.C. Produções Ltda., pretende demitir entre 85% a 90% dos 2.900 funcionários e trabalhar apenas com funcionários contratados da produtora. A RGC só contratará funcionários da rede que peçam demissão. Caso sejam contratados pela produtora, o funcionário da Manchete deverá receber um salário inferior ao que era recebido.

A revolta com a atuação da igreja levou os funcionários das TVs Manchete de São Paulo e Rio de Janeiro partirem em caravana para Brasília, para reunir com o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, para tentar uma solução que impeça a transferência da emissora para a Igreja Renascer. Na reunião, incluindo o senador Eduardo Suplicy que acompanha as negociações, Veiga considera “grave” a situação da Manchete e que pretende encontrar uma solução para os problemas “no menor prazo” possível.

O governador do Rio de Janeiro, Antony Garotinho, anuncia que vai tentar impedir a transferência da emissora para São Paulo. Um grupo de advogados de diversos estados anuncia que vão impedir que a igreja assuma as operações da rede, sob a alegação que o negócio é ilegal, já que qualquer concessão de TV depende de aprovação do Congresso Nacional.

Em 13 de janeiro, ocorre reunião entre o grupo de funcionários e sindicalistas da emissora com o ministro Pimenta da Veiga. O motivo dos funcionários e sindicalistas é para pedir o ministro que interfira nas negociações entre a emissora e a igreja e a preservação de empregos ou que a concessão da emissora vencida seja cassada. O ministro declara para eles, que está disposto a retirar o Grupo Bloch do controle da rede e transferir a emissora para novos administradores que comprovem ter capacidade técnica e financeira para o negócio. Para concretizar essa operação, o ministério deverá determinar a transferência direta do controle acionário da emissora por meio de uma exposição de motivos aprovada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso.

O grupo Bloch seria forçado a transferir o controle da Manchete, mas continuaria responsável pelos débitos com o INSS. Veiga declarou que o contrato firmado entre o Grupo Bloch e a Igreja Renascer é “frágil e sem bases legais”. As declarações do ministro demonstram a intenção do governo em intervir na crise da Rede Manchete. O grupo de sindicalistas e funcionários pediu que o ministério interfira no acordo firmado entre Manchete e a Fundação Renascer. Os funcionários esperam que o Grupo Bloch volte a negociar a transferência do controle da emissora para o Banco Pactual.

Em 15 de janeiro, o presidente do grupo Bloch, Pedro Jack Kapeller, entrega ao ministro Pimenta da Veiga, em Brasília, carta de exposição de motivos que inclui o compromisso de pagar em 90 dias, os salários atrasados dos funcionários da emissora. Na carta com 23 itens, Kapeller também se compromete a saldar as dívidas fiscais e bancárias da empresa.

Em 18 de janeiro, cerca de cem jornalistas e técnicos da rede voltam ao trabalho nas cinco cidades em que a emissora tem concessão. Os trabalhadores voltaram ao serviço depois de receber um dos cinco salários atrasados. O programa Mulher de Hoje, da Claudete Troiano, que deixou ser exibido, voltou ao ar, desta vez ao vivo. O Jornal da Manchete (fora do ar desde o 22/12) voltou a ser apresentado, às 20hs30min. Após a novela Pantanal, às 22hs, a emissora estreou o novo programa de debate chamado “Se Liga Brasil“, de uma hora de duração. A produção foi possível depois que a direção da rede conseguiu o retorno deles, depois que concordaram com a promessa de receber os quatro meses de salários atrasados em 90 dias e o recebimento do pagamento do mês de janeiro dentro do prazo legal. Segundo a chefa de reportagem do Rio de Janeiro, Nelma Esteves, entre os 37 funcionários que voltaram a trabalhar na cidade não estão repórteres e editores, mas apenas diretores. Apesar do retorno de cerca de cem grevistas, a greve dos funcionários da continua.

Em 19 de janeiro, líderes da Igreja Renascer (entre eles o líder da igreja Estevam Hernandes Filho) se encontram com o Ministro das Comunicações, Pimenta da Veiga, fechando a rodada de discussões sobre o arrendamento da emissora para a igreja. A reunião o ministro Pimenta da Veiga com o presidente da Fundação Renascer, Estevam Hernandes Filho, termina no impasse. Estevam disse que a RGC (Rede Gospel de Comunicação) tem o “compromisso” de pagar dívidas da Manchete para viabilizá-la, mas Veiga insiste em retirar o grupo Bloch e a própria fundação do controle da emissora, devido às dívidas da Manchete que estão estimadas em cerca de R$ 500 milhões reais, sendo R$ 250 milhões com o INSS.

O ministro Pimenta da Veiga reafirmou a intenção de transferir a concessão da rede para um grupo em condições de manter a emissora e ameaçou cassar a concessão da emissora se as contas não estiverem em dia até 18 de maio. Estevam Hernandes reafirmou a intenção de quitar as dívidas da emissora e anunciou que os salários atrasados dos funcionários deverão ser pagos até o mês de abril. Segundo os assessores de Veiga, o ministro não reconheceu a responsabilidade da Renascer sobre a Manchete e avaliou que o acordo é “juridicamente frágil”, pois foi feito sobre concessões que estão vencidas desde 1996.

No dia 21 de janeiro, o presidente do grupo Bloch, Pedro Jack Kapeller, afirma no Rio de Janeiro, que pretende pagar todos os salários atrasados dos funcionários da Rede Manchete até o final de março. No mesmo dia, os funcionários que retornaram ao trabalho ameaçam nova greve , acusando a RGC não ter cumprido a promessa de pagar os salários da primeira quinzena de janeiro em dia aos que voltaram.

Em 22 de janeiro, a emissora envia telegramas a vários funcionários que estão demitidos por justa causa, “devido ao abandono de funções a partir de 14 de outubro de 1998 (data de início da greve)”. O comunicado contraria decisão da juíza Rosana Travesedo, do Tribunal Regional do Trabalho, em 16/12, que deu ganho de causa aos sindicatos dos jornalistas e dos radialistas em ação na qual pediam abono das faltas desde o início da greve e pagamento dos atrasados. O Sindicato dos Jornalistas disse ter conhecimento de outros três telegramas que apresentam como justificativa o fato de os trabalhadores terem participado de manifestação, em 28/12, em frente ao prédio onde mora o presidente do grupo Bloch, Pedro Jack Kapeller.

Segundo a advogada dos sindicatos, Cláudia Durant, “participação em manifestação não pode ser apresentada como justa causa”. Kapeller disse, por sua assessoria de imprensa, que a empresa enviou telegramas de demissão a “poucos” funcionários. A Manchete considerou que eles deram motivos para receber justa causa. Por conta do anúncio da nova demissão, os trabalhadores no Rio de Janeiro decidiram manter a greve. O Sindicato dos Jornalistas encaminha à Procuradoria da República, denúncia contra o acordo entre Manchete e Renascer, por ser ele baseado em concessões vencidas.

No dia 23 de janeiro, a apresentadora de Mulher de Hoje, Claudete Troiano, declara sobre a volta do programa: “Já havíamos até esquecido do salário”.

Em 25 de janeiro, O ministro Pimenta da Veiga, decide cumprir as ameaças feitas ao presidente do Grupo Bloch, Pedro Kapeller, se reúne com o dono do Banco Pactual, Luiz Cezar Fernandes, determinando o reinicio das negociações para a venda da Rede Manchete, sob alegação que o acordo rede e a produtora RGC da Igreja Renascer é frágil e sem base legal, pois foi feito com uma concessão vencida desde 1996, o que é proibido nas leis de telecomunicações no Brasil.

Em 27 de janeiro, as redes Globo e Bandeirantes fecham o acordo para transmissão do carnaval, permitindo Bandeirantes transmitir o desfile das escolas de samba. Com isto, Bandeirantes passa a ocupar o espaço que era tradicionalmente da Rede Manchete. A transmissão vai ser realizada por um “pool” das duas redes, permitindo que Globo (detentora dos direitos de transmissão) diminua os custos com a cobertura. Outra vantagem para Globo é a possibilidade de não transmitir integralmente os desfiles.

Em 28 de janeiro, segundo o jornal Folha de S. Paulo, o governo federal considera ilegal o contrato firmado entre a Rede Manchete e a Fundação Renascer. Análise jurídica do documento pelo Ministério das Comunicações (que o jornal teve acesso) concluiu que houve um “arrendamento integral” da rede de televisão, o que não é permitido pelos decretos 52.795/63 e 2.108/96. Pelo contrato, a Fundação Renascer (por meio da RGC Produções Ltda., produtora pertencente à entidade) assume a produção, operacionalização e comercialização da emissora, mediante o pagamento mensal de R$ 4,8 milhões, durante 15 anos. No caso de concessões, é necessária, junto com os requisitos legais, uma decisão do Presidente da República. Segundo a imprensa, o governo quer uma saída definitiva: a venda da Manchete e que está disposto a conversar com outros grupos que estejam interessados. Em último caso, a concessão seria cassada.

No mesmo dia, o senador Eduardo Suplicy (PT-SP), anuncia que vai requerer ao ministro Pimenta da Veiga, informações sobre o contrato firmado entre a Rede Manchete e a Fundação Renascer. Baseado na notícia do jornal, em que o governo considera ilegal o arrendamento integral da emissora, pediu a transcrição da matéria. Suplicy se manifesta preocupado e solidário com os funcionários da Manchete que estão sem receber desde setembro. Conforme o senador, com um pequeno número de funcionários, a Fundação Renascer está fazendo a emissora funcionar, enquanto outros empregados, que deram seus esforços e dedicação, durante anos, à emissora, “continuam no limbo”.

Em 29 de janeiro, em anúncios pagos e publicados em principais jornais do país, Kapeller contesta as alegações de ilegalidade do acordo da rede com a Igreja Renascer. Em uns dos trechos, Kapeller ataca diretamente o ministro Pimenta da Veiga, levantando suspeitas sobre a intenção de o ministro transferir o controle da emissora para um grupo com capacidade financeira: “Esse tipo de preferência provocou recentemente o afastamento de um Ministro (José Mendonça de Barros) e de outras autoridades do governo”. Infelizmente, as declarações de Kapeller, neste aspecto, possuem fundamentos. O governo federal reeleito em 1998 iniciou em janeiro uma campanha para exercer maior controle sobre as emissoras de TV e pretende deixar a Manchete com um grupo que apóie claramente o governo. A Igreja Renascer não agrada ao governo, principalmente a ala do PSDB de Pimenta da Veiga, já que ela apoiou ostensivamente o ex-governador Paulo Maluf nas últimas eleições para governador de São Paulo.

No mesmo dia, o Ministério das Comunicações notifica ao Grupo Bloch a ilegalidade do arrendamento da emissora à Igreja Renascer, através da Rede Gospel de Comunicações (RGC). Segundo o ministério, o arrendamento integral da emissora fere a atual legislação. Cometa-se que o ministro pretenda transferir a Rede Manchete para os Diários Associados, antigos proprietários da TV Tupi.

No dia 31 de janeiro, a Fundação Renascer não paga os R$ 4 milhões e 800 mil reais na primeira parcela do contrato feito com o grupo Bloch.

Por Diogo Montano

Diogo Montano é Bacharéu em Ciência da Computação, pós graduado em Gestão de Negócios, e trabalha há quase vinte anos unindo duas coisas que sempre gostou: comunicação e tecnologia. Cresceu assistindo à Globo e Manchete, canais de tv que tinham as melhores imagens da região. Em 1999, ainda antes de entrar na faculdade, publicou a primeira versão deste site, logo após a venda da Manchete.