Em setembro de 1980, o governo federal publicou editais para as concessões de duas novas redes de televisão, formadas com os canais anteriormente ocupados pelas TVs Continental (Rio), Excelsior (SP), e mais sete da Rede Tupi que, cassada dois meses antes, tinha emissoras no Rio, São Paulo, Porto Alegre(RS), Belo Horizonte(MG), Belém(PA), Fortaleza(CE) e Recife(PE).
Dos nove interessados, seis foram aprovados pelo Ministério das Comunicações para a participarem da disputa. O processo, então, se arrastaria por meses, até que, em fevereiro do ano seguinte, o Presidente João Batista Figueiredo (o último da ditadura), resolveu: optou pelas propostas da Bloch Editores e do Grupo Silvio Santos. A partir daí foram mais seis meses de negociações até a a assinatura dos contratos, em agosto de 1981.
A escolha foi recebida com indignação pela imprensa e, principalmente, por dois perdedores. O Jornal do Brasil e a Editora Abril, considerados “grandes favoritos”, publicaram sucessivos editoriais denunciando que o processso estava contra a Lei de Radiodifusão.
Segundo os veículos, e com os quais boa parte da imprensa e da oposição concordava, Bloch e Silvio Santos não atendiam aos requisitos exigidos pela Lei de Radiodifusão, estando inaptos a participarem do processo. O Governo teria passado por cima da lei porque JB e Abril poderiam usar suas TVs para atacar os militares, ao contrário dos grupos de mídia contemplados.
Filhotes da Tupi
Distribuir os nove canais da Tupi em duas redes foi possível porque a eles se juntaram também os canais 9 do Rio e de São Paulo – que estavam vagos desde o fim das TVs Excelsior e Continetal, dez anos antes. Logo, com um canal extra em nas duas metrópoles de maior audiência no país, cada empresa teria condições suficientes para pagarem suas contas e liderar sua rede de afiliadas.
O governo argumentou que, lançando duas novas redes nacionais, haveria mais empresas capazes de reduzir o monopólio da Globo. Em 26 de setembro de 1980, portanto, os editais foram publicados.
O documento estipulava detalhes sobre a composição das redes e as obrigações que os vencedores deveriam assumir.
- A Rede “B” seria sediada em São Paulo e teria quatro canais, sendo três da Tupi.
- A Rede “A” ganharia cinco emissoras e deveria ser gerada a partir do Rio de Janeiro, sendo quatro ex-Tupi.
- Os novos concessionários deveriam contratar, imediatamente à assinatura do contrato, 80% dos ex-funcionários da TV Tupi em cada cidade.
- O vencedor da Rede B (sediada em Sao Paulo), deveria entrar no ar em, no máximo, 30 dias após a assinatura do contrato.
- As redes deveriam pagar as obrigações trabalhistas pendentes pela Tupi, além dos salarios pagos pela Caixa desde o encerramento da emissora.
As configurações de cada rede
REDE A | REDE B |
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Rio de Janeiro: canal 6 Geradora TV Tupi do Rio de Janeiro | São Paulo: canal 4 Geradora TV Tupi de São Paulo |
São Paulo: canal 9 TV Excelsior | Rio de Janeiro: canal 9 TV Corcovado |
Belo Horizonte: canal 4 TV Itacolomi – Rede Tupi | Porto Alegre: canal 5 TV Piratini – Rede Tupi |
Recife: canal 6 TV Clube – Rede Tupi | Belém: canal 5 TV Marajoara – Rede Tupi |
Fortaleza: canal 2 TV Ceará – Rede Tupi | — |
Futura Manchete | Futuro SBT |
Divisão das dívidas da Tupi
O fato dos canais 9 não terem ficado juntos com uma das redes se deveu, principalmente, a fim de tentar equilibrar seus passivos trabalhistas. Isso porque as novas redes deveriam assumir as dívidas dos canais, e a Tupi distribuia suas produções produções entre Rio e São Paulo, seus canais deveriam ser dados a redes diferentes, diluindo melhor o prejuízo inicial de cada uma.
As outras praças eram menores (MG, PE, RS, CE e PA) e basicamente contavam com a geração dos sinais em suas regiões, e produções locais de jornalismo. A melhor forma de equilibrar, então, seria distribuir os canais das Tupis do Rio(6) e de São Paulo(4), que carregavam as maiores quantidades de ex-funcionários, dentre ambas, ao invés de entregá-los a uma mesma rede. Por isso, quem levasse o canal 6 no Rio(Tupi), levaria o 9 de São Paulo, e quem levasse o 4 de SP. E quem ficasse com o canal 4 de SP(Tupi), levaria o 9 carioca (não Tupi).
Outra vantagem era o fato das geradoras operarem frequências mais potentes nas cidades onde fossem sediadas. Assim poderiam entregar sinais com melhor qualidade a regiões mais distantes. Outro ponto positivo era que estes canais principais (6 no Rio e 4 em SP). estariam posicionados colateralmente à Globo (que operava o 4 carioca e 5 de SP), um fator que influenciaria na transferência de público (o zapping).
Os concorrentes
Antes mesmo de o edital ser lançado, havia dois grupos de comunicação considerados imbatíveis: a Editora Abril, que despontava no mercado depois que Veja tomou da Manchete o posto de revista semanal de maior relevância no país, e o Jornal do Brasil, tradicional player da mídia impressa e um dos mais bem sucedidos no rádio.
Ambos pareciam atender aos critérios de 1) experiência no ramo da comunicação, e 2) capacidade técnica para operar uma televisão. O mercado, de uma forma geral, já os considerava campeões.
Além de Abril, Jornal do Brasil, Bloch Editores e Grupo Silvio Santos, também se candidataram mais quatro empresas: Grupo Maksoud(empreiteira e hotéis de luxo), Rádio Capital(apoiada por Paulo Maluf), Grupo Rondon de Comunicação(pecuarista e político mato-grossense), Piratininga(de propriedade de um general do exército) e Sistema Brasil de Comunicação, liderado pelo cineasta Roberto Farias.
Os três últimos, no entanto, não chegaram a ser habilitados pelo Ministério das Comunicações, por não conseguirem garantir que assumiriam o espólio trabalhista da Tupi. O processo seguiu com os seis grupos restantes.
Interessados Rede ASP | Interessados Rede B Rio |
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Televisão Abril Editora Abril | Televisão Abril Editora Abril |
Rádio e TV Jornal do Brasil Jornal do Brasil | Rádio e TV Jornal do Brasil Jornal do Brasil |
Grupo Visão de Comunicação Grupo Maksoud | Grupo Visão de Comunicação Grupo Maksoud |
Rádio e TV Manchete Ltda Bloch Editores | Rádio e TV Manchete Ltda Bloch Editores |
Sistema Brasileiro de Televisão Grupo Silvio Santos | Sem interesse |
Rádio e TV Metropolitana Rádio Capital | Sem interesse |
A partir daquele momento, começaram a ocorrer encontros frequentes entre representates dos concorrentes e políticos nos bastidores de Brasília. Maksoud, Capital, Bloch e Silvio Santos trabalhavam para reduzir o favoritismo da Abril e do Jornal do Brasil.
As forças e fraquezas de cada concorrente
- Editora Abril: era a maior editora de livros e revistas do país, desde que Veja se tornara, na década de 70, a revista semanal de maior circulação. No entanto, conquistou leitores através de um posicionamento crítico, publicando denúncias produzidas pelo SNI contra pessoas da sociedade e também do governo. Premiá-la com os canais parecia fazer sentido e tinha o apoio da ala mais dura dos militares, mas não foi adiante devido à antipatia do Presidente e ao lobby contrário.
- Jornal do Brasil: o jornal mais antigo do país tinha um tom ácido contra o regime militar. Já havia tentado ganhar a TV Continental, em 73/74, e depois também esteve na concorrência pelo canal 11 do Rio. Perdeu as duas oportunidades porque, após o início dos processos, concluiu que não tinha fôlego para a missão. O JB, no entanto, não admitia esta versão, insistindo que seria vítima de perseguição política.
Para reduzir a antipatia do governo, desta vez o grupo estaria em sociedade com Walter Clark, tido como um dos principais responsáveis pelos sucessos das TVs Rio e Globo. Clark tinha “entrada” com os militares. Com esse reforço político, o JB conseguiria também atrair financiadores melhores. Clark, porém, desistiu da parceria e foi trabalhar na Bandeirantes. Os financiadores, na sequencia, também desembarcaram. - Visão/Maksoud: era o de maior capacidade financeira. O grupo editava – desde 1975 – a revista neoliberal Visão. Porém, sua força estava na construção civil e em sua rede de hotéis de luxo Maksoud. Mas, além de ter pouco tempo na área editorial, seu projeto previa um vultuoso aporte de capital europeu, o que desagradava o Governo.
- Capital: Forte no rádio de São Paulo e apadrinhado pelo polítco Paulo Maluf, O grupo Capital um dos três finalistas. Mas ficou de fora por não ter demonstrado interesse pela rede sediada no Rio, somado ao fato de Silvio Santos ter demonstrado maior disposição para assumir os espólios da Tupi.
- Grupo Silvio Santos: Legalmente não tinha as condições legais para ganhar, porque já era proprietário de uma emissora de TV no Rio de Janeiro, e mais 50% da TV Record de São Paulo. A legislação proibia que uma mesma empresa controlasse mais de uma concessão de radiodifusão de TV numa mesma região.
No entanto, Silvio não constava como sócio da empresa criada para a apresentação do projeto ao governo. Seu sobrinho e outros familiares, em teoria, seriam os proprietários e dirigentes da nova empresa.
Além da brecha, SS contava com a simpatia do Presidente da República porque, segundo o próprio, a primeira-dama seria fã do animador. Já a oposição argumentava que o real motivo era o fato de SS não fazer jornalismo. Como em qualquer ditadura, diziam que Figueiredo procurava uma TV que distraísse o povo, ao invés de os fazer refletir sobre a realidade. - Bloch: outro grupo que não era apto a receber concessões de radiodifusão, pelo fato de Adolpho Bloch, presidente do conglomerado, não ser brasileiro nato. Bloch foi naturalizado quando chegou ao país, por volta dos anos 1920, mas a lei era taxativa quanto ao. Para contornar a situação, Adlpho se valeu da mesma estratégia de Silvio Santos: a Radio e TV Manchete Ltda estava em nome de Oscar Bloch, um de seus sobrinhos,.
A Bloch tinha credibilidade porque era a maior editora do país, mas não praticava jornalismo crítico a governos, tendo estado sempre próximo aos presidentes – desde JK até os militares. Além disso, a visão ufanista dos militares encontrava eco nas publicações da Bloch, porque esta era também a visão de seu fundador. Foi esta também a afinidade que uniu Bloch e JK durante a construção de Brasília.
Os trunfos de Silvio Santos
Silvio Santos enviou ao Presidente, junto com a proposta, uma carta de intenções onde se comprometia a solucionar os problemas que o afastavam da legalidade:
- abrir mão do canal carioca em favor da Rede Record, já que o empresário era proprietário da TVS na cidade.
- vender sua participação (50%) na Record para seu sócio, Paulo Machado de Carvalho. Com essas duas medidas, deixaria de ser detentor de mais de uma concessão nas duas metrópoles.
- prometeu também produzir programas brasileiros, em resposta a outro motivo de crítica pela imprensa: TVS e Record tinham pouca produção nacional e muitos enlatados.
- por fim, garantiu contratar os ex-funcionários da Tupi, como mandava o edital, e estrear o SBT em trinta dias.
As armas da Bloch
Adolpho Bloch contou com a ajuda da Globo na estruturação da emissora, e também na concepção do projeto técnico submetido ao governo. Também se comprometeu com o Presidente da República a não exibir nudez nem apelação sexual, comum nas suas revistas durante o carnaval. Adolpho também contou com o apoio do então porta-voz do governo, Alexandre Garcia (que se tornaria diretor nacional de jornalismo da emissora).
Além disso, firmou o compromisso de fazer uma televisão de primeira classe, tecnologicamente superior, e com uma “programação de alto nível”, coerente com o projeto “Brasil grande” dos militares. A Manchete também assumiria os funcionários da Tupi do Rio e Recife, como determinava o edital.
Em troca, Bloch recebeu dois pedidos informais do Presidente, feitos em tom de descontração: 1) não falar mal dele, nem durante, e nem depois que deixasse o cargo; e 2) ajudá-lo a realizar um sonho de juventude: ser locutor de rádio.
Ambos foram atendidos! O jornalismo garantia espaço para visões distintas e não fazia acusações diretas ao governo (mas também não o elogiava). Em 1985, ao deixar o poder, o ex-Presidente ganhou um programa diário na Rádio Manchete AM.
JB e Abril desistem, Bloch e SS vencem
Alegando que o governo estava criando dificuldades para ambos, o grupo Jornal do Brasil e a Editora Abril resolvem desistir da disputa. Àquela altura, já em fevereiro de 1981, restavam apenas três concorrentes: Bloch, Silvio Santos e Capital. O governo pediu que os grupos propusessem uma recomposição na qual os três saíssem vencedores.
Todos foram resistentes à ideia, fazendo com que o governo decidisse pelos que julgava mais “preparados” para a missão. Em março de 1981, as empresas vencedoras finalmente foram anunciadas: Sistema Brasileiro de Televisão Sociedade Civil Ltda (SBT) e Rádio e Televisão Manchete Ltda (Rede Manchete de Televisão).
Políticos, sindicato e imprensa reagem
O Jornal do Brasil respondeu que ‘não se pronunciaria sobre o tema‘, em tom de contrariedade. A Abril foi mais política oficialmente, declarando frustração, mas desejou “sucesso aos novos concessionários“. Meses depois, o JB mudaria sua postura, dando declarações bem mais duras, declarando que o governo premiou a “subserviência” dos vencedores.
O congresso nacional e a opinião pública também questionaram. Julgavam que Manchete e SBT eram os menos prováveis dentre os seis concorrentes. Além da questão legal, a imprensa paulistana torcia o nariz para a Bloch Editores. Embora tenha tido colunistas do quilate de Carlos Drummond de Andrade e Nelson Rodrigues, a mídia de São Paulo se referia à empresa como um exemplar da decadência a que tentavam condenar o Rio de Janeiro.
Já Silvio Santos, além de ser dono de outras concessões de TV, sofria forte resistência das classes jornalística e artística por não abrir vagas de trabalho a profissionais destes setores. Para os formadores de opinião, “Silvio exibia porcarias sem valor cultural e muitos conteúdos enlatados“.
Os jornalistas e artistas não simpatizavam com Silvio Santos, enquanto a imprensa emergente paulistana, cuja garota-propaganda era a revista Veja, criticava a Bloch, sua maior concorrente, a quem se referiam constantemente como decadente, bairrista e puxa-saco de governos.
A oposição também aproveitou para atacar. O deputado Fernando Morais (PMDB-SP) afirmou que “a novela da concessão dos canais de televisão, sendo de autoria do governo, não poderia ter outro. final; o mal triunfou”. Tecendo severas criticas ao governo e aos dois beneficiados, Silvio Santos e Adolfo Bloch, o parlamentar assinalou que “foram escolhidos aqueles que não têm opinião alguma sobre coisa alguma”, e que ”os generais do Planalto foram os autores da escolha dos vencedores da concessão, o critério foi a subserviência”.
Ainda de acordo com Morais, da lista dos que se apresentaram na concorrência, o governo poderia “Jogar os envelopes para o ar e pegar qualquer um“, a exemplo dos sorteios de televisão, já que todos seriam da direita e, portanto, não ofereciam risco ao governo.
Disse ainda que, no rol dos excluídos, havia dois grupos claramente de direita, comprometidos por ideologia com o regime militar, mas que ficaram de fora pelo que poderiam representar: “O grupo Capital possui laços fortes com um fiel servo de Brasília, o sr Paulo Maluf, mas para o qual não é interessante, no momento, dar asas eletrônicas”. O deputado fez ainda duras criticas aos grupos “do engenheiro Maksoud” e de Silvio Santos.
O grupo Capital possui laços fortes com um fiel servo de Brasília, o sr Paulo Maluf, mas para o qual não é interessante, no momento, dar asas eletrônicas
Dep. paulistano Fernando Morais(PMDB-SP)
A (não) defesa do Governo
O governo alegou, dentre outras coisas:
- que os escolhidos foram aqueles que tinham melhores condições estruturais e apresentaram os melhores projetos;
- que anormal seria se os perdedores não reclamassem; e
- por fim, que a Lei estabelecia que a competência para a escolha cabia unicamente ao Gabinete da Presidência da República e, portanto, os critérios poderiam ser aqueles que Figueiredo quisesse.
Foi um pouco de tudo. Todos tiveram razão em parte, e ninguém teve toda a razão, naturalmente.
Dali adiante, até 14 de agosto daquele ano, quando enfim os contratos foram assinados com o Governo, sucederam-se reuniões para negociações dos detalhes do contrato de concessões. Os maiores pontos de desavenças estavam no quanto os novos controladores assumiriam do passivo trabalhista da Tupi.
As empresas queriam arcar com os salários atrasados desde o fim da emissora, ocorrida havia dois anos antes, além de empregarem os ex-funcionários. O governo queria mais: que arcassem também com as dívidas históricas da Tupi com a previdência e com o FGTS. Silvio e Oscar Bloch chegaram a desistir, mas tanto o sindicato dos trabalhadores da indústria como o Governo aceitaram flexibilizar os termos.
A assinatura das concessões e estreia do SBT
A assinatura ocorreu em 14 de agosto de 1981, no auditório do Ministério das Comunicações, em Brasília. A Manchete não perdeu a oportunidade e ofereceu um almoço logo após a solenidade, para receber políticos, empresários do Grupo Silvio Santos, empresários e autoridades, na Casa da Manchete, na capital Federal. O SBT entrou no ar transmitindo a assinatura das concessões pelos seus novos canais e pela TVS do Rio de Janeiro.
Curiosidade: O SBT já estreou com afiliadas. Silvio aproveitou o fim da Tupi para atrair suas órfãs pelo país, criando a REI (Rede de Emissoras Independentes). Adquiriu prédios e equipamentos do espólio da Tupi para viabilizar o início da operação da rede e foi quem empregou a maior quantidade de ex-funcionários da Tupi.
A TV Manchete ainda precisaria ser erguida, e prometeu entrar no ar até agosto do ano seguinte, ou seja, um ano após a assinatura das concessões. Acabou atrasando por mais um ano, mas ao longo do tempo soube capitalizar, transformando o atraso em “busca por excelência”. Pagou a folha da Tupi das quatro praças durante todo este tempo, sem ainda de fato estar operando e gerando receita com a televisão.