Resumo
- A revista Veja publicou uma reportagem intitulada “Delinquência de empresários jogam Rede Manchete na lona“, em maio de 1993.
- A revista trazia em tom de denúncia a venda e a recém devolução da emissora, criticando tanto comprador como a Bloch. Mas fez isso tomando por verdade a defesa do adquirente.
- A Bloch se irritou e deu o troco: na mesma semana, publicou editorial em jornais de todo o país, como O Globo e o Estado de S. Paulo, se defendendo e contra-atacando.
- A Manchete afirmou que Veja produzia denúncias, propagando a versão do perdedor, para criar polêmicas. E fazia isso desde a época da ditadura, quando recebia do SNI reportagens prontas para atacar opositores dentro do próprio Governo.
- A Manchete também citou escândalos financeiros públicos que envolviam a Abril (casos Quatro Rodas e Telerj).
- Também afirmou que o grupo Abril tinha inveja por ter perdido os canais de televisão para a Bloch, em 1981.
Em 30 de maio de 1993, a Rede Manchete publicou, em jornais de todo o país, resposta à Veja por uma extensa matéria publicada na edição da revista naquela semana. Intitulada “Delinquência de empresários jogam Rede manchete na lona“, a reportagem contava o episódio da venda frustrada de parte da emissora para Hamilton Lucas de Oliveira, com acusações à Bloch durante o episódio. A Manchete revidou com um editorial intitulado “Veja: à procura da mentira“.
Vestal de fachada, virgem para efeitos de promoção e marafona na hora da ação, VEJA foi Pupila direta do Serviço Nacional de Informações (SNI) na fase mais truculenta desse órgão na vida nacional.
Trecho da resposta da Manchete, sobre a revista da editora Abril
A venda ‘cancelada’ da TV Manchete
Um ano antes, em junho de 1992, HLO adquiriu 49% da Manchete e também o direito de gerir a empresa. Mas alguns meses depois interrompeu os pagamentos das parcelas devidas aos Bloch, além dos salários atrasados e dívidas trabalhistas, que faziam parte do contrato. Também estaria tentando vender de parte do patrimônio da empresa, inclusive as emissoras próprias de Fortaleza(CE) e Recife(PE).
Na época, o empresário alegava que as dívidas reais da empresa superavam muito o valor declarado pelos antigos donos, o que a Bloch negava. Parte deste passivo não declarado seria composta por compromissos assumidos com anunciantes, por eles pagos no final do ano anterior, referentes à veiculação de comerciais durante todo o ano de 1992. De fato esta era uma prática comum da emissora desde 1988/89. A Bloch se defendeu dizendo que o empresário sabia deste passivo, pois teria feito um levantamento profundo antes de fechar o negócio.
Com funcionários em greve por todo o país, fuga de público, estrelas, afiliadas, e a queda da terceira para a sétima posição no ranking de audiência, Bloch conseguiu liminar pedindo o cancelamento da venda, o que automaticamente devolveu a gestão da emissora aos antigos donos. Um mês depois saiu decisão na primeira instância da justiça em favor de Adolpho Bloch.
Atrapalhado vs. marafona
Em 26 maio de 1993, quase dois meses após a decisão que devolveu a gestão da Manchete aos Bloch, Veja chegou às bancas com uma grande matéria reforçando as acusações de Hamilton Lucas, e fazendo uma retrospectiva da história da emissora sob uma ótica que parecia dar veracidade às afirmações do empresário. Como exemplo, a revista falou sobre a supostas trocas de favores da editora com o governador carioca Leonel Brizola (PDT). Chegou a se referir a Bloch como “um atrapalhado empresário“.
Quatro dias depois, no dia 30 de maio, a Manchete comprou espaço em grandes jornais do país para publicar, não apenas sua defesa contra as acusações sobre o caso IBF, mas também para contra-atacar. Acusou Veja de criar “revelações bombásticas” para vender revistas, intimidar oponentes e fazer lobby. Acusou também a rival de publicar supostas investigações durante a ditadura a serviço do departamento de informações dos governos militares, o SNI.
Confira a íntegra da resposta da Bloch à Veja:
Veja: À PROCURA DA MENTIRA
A maior concentração de mentiras por centímetro quadrado pode ser encontrada, semanalmente, nas páginas da revista VEJA, sobretudo na edição 1.289, de 23 de maio último, na matéria dedicada à venda da Rede Manchete de Televisão. Assanhadíssima quando se trata de empulhar os leitores com escândalos que fabrica e avoluma, ela adota a fórmula do jornalismo mafioso: seleciona um assunto que, como qualquer outro, tem dois lados e comporta duas versões. Pode-se contar um crime a partir do ponto de vista da vítima ou do criminoso, VEJA faz opção pelo criminoso: além de uma tolice, é um crime dentro do outro.
A revista aceitou a versão de Hamilton Lucas de Oliveira, um dos grandes e mais escandalosos beneficiários do Esquema PC/Colior. Empresário atrapalhado, de oceânica incompetência, respondendo a vários processos, ele quis comprar sem pagar a Rede Manchete de Televisão. A fonte de seus recursos havia secado com o naufrágio do bateau Collor. Deu a volta por cima, transformando-se, ele próprio, em “fonte” — nova e surpreendente — para o jornalismo investigativo de VEJA. A revista tanto investigou que sequer descobriu o óbvio: HLO não comprou a rede por que não a pagou. E a perdeu por decisão tranquila da Justiça em várias instâncias.
Vestal de fachada, virgem para efeitos de promoção e marafona na hora da ação, VEJA foi Pupila direta do Serviço Nacional de Informações (SNI) na fase mais truculenta desse órgão na vida nacional. Através de seu criador e mentor vitalício, o General Golbery do Couto e Silva, a revista cresceu graças às informações privilegiadas que obtinha em sistema de “linha direta” com a redação. Ao longo de seus 13 primeiros anos de existência, o sistema SNI/VEJA intimidou e chantageou governantes, parlamentares, políticos, empresários, banqueiros, intelectuais e artistas. Intimidou sobretudo os próprios militares, muitos deles tendo a carreira destroçada pelas manobras do Maquiavel de bolso Instalado no SNI, que detinha o poder pela capacidade de armazenar e operar Informações.
VEJA não criou o jornalismo investigativo no Brasil: recebia investigações de mão beijada uma vez que sempre beijava a mão de seu benfeitor e poderoso informante. Nas páginas da revista foram feltas e destruídas reputações e biografias, não de acordo com os interesses da sociedade ou do país, mas para manter a fome de prestígio do Fouchê de Luziânia e facilitar as jogadas comerciais — quase sempre acompanhadas de chantagem — do Grupo Abril. No vale-tudo das relações da revista com o órgão oficial de espionagem, volta e meia um diretor ou jornalista era demitido sob o pretexto de que “o Falcão não está gostando”. O Falcão, no caso, era o ministro da Justiça, senha civil que acobertava a manobra. O conluio SNI/VEJA não ficou limitado às Inside Informations, foi além.
Mais tarde, ainda por pressão do SNI, o Tribunal de Contas da União colocou uma pedra tumular em cima do escândalo. Na divisão dos lucros, funcionários e diretores dos bancos estatais envolvidos na operação foram recompensados com cargos executivos no Grupo Abril: a Máfia não teria feito melhor.
Mais recentemente, esteve a Abril envolvida em novo escândalo, o da Listel. A negociata foi revelada, desta vez, pela Folha de S. Paulo. A denúncia conseguiu obstar o assalto aos cofres públicos. Em 1981, quando o governo decidiu intervir na Rede Tupi, abrindo a perspectiva de duas novas redes nacionais, o General Golbery mais uma vez saiu em defesa de sua pupila, oferecendo uma das redes ao Grupo Abril. Seria uma doação, um presente do SNI recompensando os bons serviços prestados pela VEJA ao longo dos anos do autoritarismo: aparentemente, a revista denunciava abusos e violências do regime mas sempre no tamanho e no desenho pretendidos pelo SNI. Era assim que Golbery se livrava de seus inimigos dentro do esquema militar e administrativo. Governador ou general que desagradassem Golbery eram denunciados como ladrão ou torturador pela VEJA.
Para não deixar sem desmentido as mentiras veiculadas em VEJA, a Rede Manchete encaminhou à redação daquela revista a seguinte carta:
Rio de Janeiro, 27 de maio de 1993
Senhor Redator:
A edição 1.289 da revista VEJA, que circulou domingo, 26 de maio de 1993, publica facciosa matéria de quatro páginas sobre a Rede Manchete de Televisão. O texto contém fatos e dados inverídicos, além de desvirtuada e insultuosa interpretação dos mesmos.
Desprezamos as considerações subjetivas ali contidas. Ficam por conta do despeito do Grupo Abril por ter perdido a licitação para a Bloch, em 1981, quando a Abril considerava certa a doação promovida por seu benfeitor e Informante-mor, o General Golbery do Couto e Silva, fundador e principal mentor do Serviço Nacional de Informações (SNI) e, na ocasião, chefe da Casa Civil da Presidência da República.
Invocando a ética e a Lei de Imprensa, solicitando o mesmo destaque e tamanho proporcional à matéria em causa, a Rede Manchete vem prestar os seguintes esclarecimentos, não ao Grupo Abril, que desdenha informações contrárias a seus interesses de escândalo e proveito comercial, mas ao público em geral.
Na parte objetiva do texto, VEJA tomou as dores do empresário Hamilton Lucas de Oliveira (HLO), apontado unanimemente como beneficiário do esquema PC Color, inclusive pela própria VEJA. Em surpreendente(e suspeitíssima) virada de opinião, VEJA limpa a testada de HLO, admitindo pudicamente que o autor de notórias falcatruas seja ingênuo ao ponto de comprar “em confiança” uma rede dé televisão e rádio sem verificar cifras, prazos e condições.
O conúbio com a nova e estarrecedora “fonte” faz a VEJA acusar.o Grupo Bloch de ter praticado três ilícitos penais, a saber: emissão de cheques sem fundo contra o Banco do Brasil; emissão de notas frias; e erro na apresentação de dados por ocasião da venda da Rede Manchete ao grupo HLO.
Os fatos verdadeiros são os seguintes:
- CHEQUES SEM FUNDO CONTRA O BANCO DO BRASIL — A VEJA mentiu, Não existem cheques sem fundo no mercado emitidos pela Rede Manchete ao tempo da gestão Bloch. Nunca houve cheques devolvidos. O Banco do Brasil pagou todos os cheques a quem de direito por se tratar de operação normal de contas correntes. Continua em discussão, apenas, a existência de possíveis débitos para a avaliação do montante real — o que ocorre com qualquer empresa que movimenta diariamente centenas de cheques e depósitos.
Vale lembrar que o passivo da Rede foi detalhadamente informado aos “promitentes-compradores” no momento da assinatura do Protocolo de Intenções, a 9 de junho de 1992, quando Hamílton Lucas de Oliveira passou a gerir a Rede Manchete sob o compromisso de saldar esses e outros passivos então declarados.
Deve-se salientar, também, que em nenhum momento o Banco do Brasil recebeu ações da Rede Manchete como pagamento, tal como aconteceu com os escandalosos “negócios especiais” da Quatro Rodas Hotéis do Nordeste (Grupo Abril), em 7 de março de 1980, graças à pressão exercida pelo General Golbery do Couto e Silva. Refresco de memória: de devedora, a Abril tornou-se sócia do Banco do Brasil.
- EMISSÃO DE NOTAS FRIAS — A revista insinua que o Grupo Bloch teria envolvido clientes, como a Nestlé, Brahma e Philips, VEJA mentiu. Recebemos da Nestlé, com data de 25 de maio do corrente, carta em que afirma: “Nunca tivemos qualquer problema em razão de faturamentos incorretos, tudo transcorrendo nos exatos termos das relações comerciais, conforme dispõe a legislação.” Com a mesma data, a Philips declara em carta que “desde a sua fundação, até esta data, tem a Rede Manchete sempre honrado os compromissos assumidos conosco, nada havendo que a desabone”. Poderíamos transcrever dezenas de cartas e mensagens semelhantes. Somente o despeito poderia explicar a agressão ao Grupo Bloch por parte de um arrivista como HLO, agressão encampada pela Abril sem fundamento na realidade, saciando apenas um Instinto de vingança por ter perdido, legalmente, a rede de televisão que desejava como doação.
- ERRO NOS DADOS — A VEJA mentiu. Não houve erro nos dados apresentados pelo Grupo Bloch no momento da assinatura do Protocolo de Intenções referente à cessão de cotas da Rede Manchete. A complexidade de uma Rede de Televisão, com débitos e créditos em permanente movimentação, poderia acarretar uma ou outra discrepância nesses dados. Para evitar qualquer dano ou prejuízo aos “promitentes-compradores” (HLO), os “promitentes-vendedores” tiveram o escrupulo de firmar a Cláusula XVI, letra g, do Protocolo de intenções, na qual se lê que, além do passivo decorrente dos financiamentos e demais exigíveis, constantes do anexo |, assumidos pelos “promitentes compradores”, a existência de exigível comprovado em montante superior à complementação do sinal e demais parcelas do preço, acarretarão, a critério exclusivo dos “promitentes-compradores”, a resolução de pleno direito do contrato de cessão de cotas, importando na devolução dos valores recebidos pelos “promitentes-vendedores”, acrescidos de atualização monetária com base na variação do dólar americano.
É de se estranhar, portanto, o colorido gráfico publicado em VEJA, com as cifras apresentadas pelas partes interessadas. Em qualquer situação, HLO teria o recurso legal para não só anular a venda mas ser ressarcido, em valores variáveis com base em dólares americanos, de qualquer prejuízo ou discrepância nas referidas auditorias. De estranhar, também, que o próprio HLO, em carta ao Presidente Itamar Franco, datada de 1º de abril de 1993, confirme que recebeu a Rede Manchete com o passivo de 100 milhões de dólares (o que é verdade) e um atraso no pagamento aos funcionários de três meses (o que é mentira, como prova o atestado do Sindicato da classe, a nós encaminhado, negando qualquer atraso no pagamento dos funcionários ao tempo da gestão do Grupo Bloch).
Especialista em “negócios especiais”, a revista do Grupo Abril deve compreender o especial negócio feito pelo Grupo de HLO. Recebeu a Rede Manchete com o faturamento mensal de US$ 7,7 milhões e dez meses depois, à ordem da Justiça, foi obrigado a devolver a gestão com o faturamento mensal de apenas US$ 500 mil. Destroçou o equipamento e a programação, perdendo direitos já adquiridos pela gestão Bloch de transmitir o Carnaval carioca de 1993, e a Copa do Mundo de 1994. Deixou os funcionários seis meses sem pagamento, abrindo insuportável crise social.
Bem ou mal, o Grupo HLO faturava com a televisão os tais 500 mil dólares por mês. E como nada pagava, nem luz, nem gás, nem telefone, nem aluguéis, nem impostos, nem fornecedores, nem artistas, nem funcionários, nem serviços, nem direitos, nem obrigações trabalhistas, nem qualquer outro encargo, deduz-se que esse faturamento tenha sido criminosamente desviado para outros fins.
A gota d’água que fez a Justiça intervir, a pedido do Grupo Bloch, na cessão de cotas da Rede Manchete, foi a tentativa de HLO de vender a terceiros o que não lhe pertencia.
Tamanha vigarice encontrou entusiasmada cobertura na Investigativa matéria sobre o Grupo Bloch. A revista teve a decência de considerar HLO sua nova “fonte”. VEJA passou do SNI para HLO. Pode ser um retrocesso. Mas passar de Golbery para Hamílton Lucas de Oliveira é apreciável avanço na direção da imprensa marrom.
REDE MANCHETE DE TELEVISÃO