Guerra sem Fim

Horário: 21h30. de 30 de novembro de 1993 a 9 de abril de 1994. 86 capítulos. novela de José Louzeiro e Alexandre Lydia. colaboração de Aparecida Menezes. direção de Marcos Schechtmann, Luiz Armando Queiróz, Marcos Vinícius César e Wálter Campos. direção geral de Marcos Schechtmann

Mais uma novela reportagem de José Louzeiro – mesmo autor de Corpo Santo e Olho Por Olho -, Guerra Sem Fim girava em torno do cotidiano do crime organizado do Rio de Janeiro, tema pertinente à época. O Comando Vermelho, então maior facção do país, foi o verdadeiro protagonista da trama, que tinha como tema central os desafios do romance entre uma rica médica e um expoente integrante da facção criminosa.

A censura judicial da novela O Marajá, um dia antes de sua estreia, forçou a Rede Manchete a desenvolver, a toque de caixa, a sinopse de Guerra Sem Fim, novela-reportagem de José Louzeiro, mesmo autor da censurada “O Marajá”.

A história central de Guerra Sem Fim girava em torno de um assunto tema pertinente à época: o Comando Vermelho (CV), maior organização criminosa do país e que comandava o tráfico de drogas no Rio de Janeiro nos anos 90.

A novela deveria ter, naturalemnte, os mesmos atores e mesmas locações da cancelada “O Marajá”. Como as locações da trama sobre Fernando Collor nada mais eram que os prédios da própria Manchete no Rio, Guerra Sem Fim também lançou mão do próprio patrimônio da empresa para gravar as cenas internas.

Em um dos prédios ficava o escritório do traficante Monarca (Hélcio Magalhães), e a casa de Lili Marlene (Lúcia Alves), mãe de Flávia (Júlia Lemertz), ocupava o outro. As externas eram gravadas no morro da Mangueira. A equipe tinha que pedir permissão aos traficantes que comandavam as locações para gravar em horários determinados.

No último capítulo, apesar das polêmicas, os autores fizeram a união de Monarca (Hélcio Magalhães) e Viúva Negra (Paulão Barbosa), os homossexuais da trama.

Júlia Lemertz e Alexandre Borges fizeram um par romântico nessa novela que se repetiria na vida real.

Mergulhando no submundo do crime

José Louzeiro, que iniciou sua vida profissional como repórter policial, colheu depoimentos de autoridades das polícias Militar e Civil e também dos dirigentes reconhecidos do Comando Vermelho, como José Carlos do Reis Encina, o “Escadinha” e José Carlos Gregório, o “Gordo”, que chefiaram a organização de dentro do presídio de segurança máxima Bangu I. José Louzeiro concluiu que o Comando Vermelho foi um “mito” criado por gente “muito poderosa” e que garantia que os depoimentos colhidos apresentam “revelações surpreendentes”, que não adianta quais sejam.

A idéia de escrever sobre o Comando Vermelho para a televisão é antiga, conta José Louzeiro, e ganhou corpo a partir de uma série de artigos que vem escrevendo para um jornal carioca. Por causa destes artigos, visitou Bangu I para conversar com “Escadinha” e “Gordo”. “Fui recebido com reticências no início, mas consegui vencer a resistência e por fim ouvi coisas surpreendentes”, revela.

José Louzeiro começou o trabalho com uma pergunta pré-formulada (e que está na reflexão de qualquer pessoa que pense a questão do crime organizado no Rio de Janeiro): será o Comando Vermelho efetivamente uma organização toda-poderosa, ou haverá acima dele uma estrutura controladora, chefiada por “big bosses” que jamais aparecem?

Surpreendentemente, o escritor ouviu a resposta positiva do subcomandante da polícia Militar, coronel Jorge da Silva: “O CV é comandado por gente de muito poder e muito dinheiro, que banca os seqüestros, o tráfico de drogas, o tráfico de crianças, o contrabando. `Escadinha’ e seus comparsas não teriam condições de financiar estas atividades. O Comando Vermelho é um mito criado por estes poderosos para atribuir a terceiros a responsabilidade pelos crimes”, disse o militar, segundo Louzeiro.

O autor pretendia imprimir à série do CV a mesma linha que combina dramaturgia e jornalismo usada em “O Marajá”. Ele voltaria à Bangu I para filmar entrevistas com “Escadinha” e “Gordo”. Os teipes serão alternados com cenas de ficção e outras dos arquivos da TV Manchete.

O escritor conversou com o ex-delegado e atual deputado estadual Sivuca – eleito com o lema “bandido bom é bandido morto” – que lhe revelou as cifras movimentadas pelo crime organizado no Rio. São números impressionantes, adianta. Impressionante, também, é outra conclusão: “a polícia está envolvida em 11 de cada dez crimes cometidos no Estado”, avalia Louzeiro, para quem a televisão precisa deixar de ser uma “brincadeira televisiva” e passar a “refletir a realidade”. Ele não teme o tema delicado. “Há muitos anos escrevi “Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia”, recebi ameaças, mas estou aqui, diz.

A novela sobre o Comando Vermelho deveria ter um narrador como condutor da história. Como a intenção era de que fosse ao ar somente em janeiro de 1994, nao há ainda atores escolhidos, mas o autor pensa em Alexandre Borges, Ivan Setta, Jonas Bloch e Julia Lemmertz. Se fosse mantida a interdição de “O Marajá”, José Louzeiro convocaria outros escritores para acelerar a produção da nova trama que já tinha titulo definido: Guerra sem Fim.

Texto originalmente escrito por Enio Marcio do Valle Leite, em 20/10/2005

Sinopse de Guerra Sem Fim

A médica Flávia (Júlia Lemmertz) se apaixona por Cacau (Alexandre Borges), bandido ligado ao Comando Pirata, dominado por China (Rubens Correa). Ao se envolver amorosamente com o jovem, acaba abraçando a marginalidade, sendo o maior obstáculo na ascensão política de seu pai adotivo, Armando César (Rogério Fróes), em campanha para governador do Rio de Janeiro.

China era um religioso de classe média que chegou a ser padre, foi preso e ficou vinte anos na cadeia. Atrás das grades, ele passou seus conhecimentos políticos como forma de criar um movimento contra as injustiças. Conseguiu fugir e se escondeu na favela, onde pôs em prática sua filosofia de vida, defendendo a comunidade.

Texto originalmente escrito por Enio Marcio do Valle Leite, em 20/10/2005

Crítica

Folha de S. Paulo, 1993

‘Guerra Sem Fim’ traz a ficção para o registro do documentário

Por David Franca Mendes

Em alguns momentos importuntes da história do cinema, as dificuldades de produgio foram o estopim das revolugdes forma Quando Rossellini filmou “Roma Cidade Aberta nas ruas da capital devastada, sem cendrios, com muitos atores não_profissionais, ele não 56 fez o filme que podia fazer, mas o filme que devia ser feito. No meio de uma grave crise, a Manchete resolveu fazer a novela possível, com uma cmera 56, poucos atores é o Rio por cendrio. “Guerra Sem Fim” é essa novela possível.

E quase é a novela desejivel. não & o neo-realismo na TV, nic & Rossellini, Mas pelo menos não é melodrama mexicano, não é realismo fantistico de terceira mão. Um cineasta estrangeiro disse que o Brasil é maravilhoso porque basta por a câmera em qualquer esquina e um drama começa.

A TV não sabe disso. E vive requentando um arsenal de clichés do tempo de “o Direito de Nascer”: mocinho é mocinha se amam mas não poden se unir por que sido de classes sociais diferenes ou por que seus pais se odeiam ou por que hi uma outra, malvada, que os separa, usando de perfidos ardis.

Querendo apenas fazer o mais comercialmente, a Manchete tangenciou a vanguarda. Gravada com uma s6 camera, por questio de economia, “Guerra Sem Fim” virou uma novela em planosequént onde o trabalho do ator & muito mais expressivo (e hd bons atores para ver em agio, como José Dumont, Angela Leal e Jilia Lemmertz). Ao invés de quadros compostos é estáticos, uma câmera que tenta tear numa realidade caótica.

Foi de olho no Tope do “Aqui Agora é outra baixarias que a Manchete resolveu apostar na temática urbana é marginal. Escreveu certo por linhas tortas. Com todos os seus defeitos — nem todos os atores seguram a barra, alguns didlogos parecem filme americano dublado e as situações capengam — “Guerra Sem Fim” é a mais viva das novelas no ar.

Bernardo Bertolucci disse uma vez que sonhava com uma ficgio televisiva_cujos personagens reagissem ficcionalmente, aos fatos do proprio dia. Bela utopia.