O Marajá

1993. Falaria sobre a vida do ex-presidente Fernando Collor. Foi proibida de ir ao ar.

O Marajá – A novela proibida

Minissérie da Manchete que contava, em tom de sátira, como foi o impeachment do ex-presidente da República Fernando Collor de Mello, que acontecera um ano antes, em agosto de 1992. Proibida de ir ao ar pelo próprio presidente, que se sentiu ofendido pelo texto, as fitas “sumiram” da emissora.

Cada personagem aludia a um personagem da vida real: André (Alexandre Borges) ao piloto de P.C. Farias, Jorge Bandeira; o motorista (José Dumont) ao motorista de Collor, Eriberto França; Felícia (Jussara Freire) à Denilma Bulhões, ex-mulher do ex-governador de Alagoas; a “certa atriz de coxas grossas” (Lúcia Canário) à atriz Cláudia Raia, que apoiou ostensivamente Collor em 1989. O próprio “Plano 2020” era uma referência ao “Plano 2000” que pretendia manter Collor no poder por mais 5 anos (na minissérie são 30 anos).

Prevendo que haveria processos por parte de Collor, Adolpho Bloch, o presidente da Manchete, contratou uma advogada para auxiliar os autores José Louzeiro, Regina Braga e Alexandre Lydia na tarefa de escrever a história, evitando complicações com a Justiça. Assim, Collor virou Elle. O personagem é o presidente de um país fictício que arma um esquema para se manter no poder por 30 anos. “Era um conceito revolucionário. Uma mistura de jornalismo com dramaturgia. Apresentávamos uma cena inacreditável e depois provávamos a veracidade com um depoimento”, diz Louzeiro.

Mesmo com todo o cuidado e auxílio jurídico, a estréia, marcada para 26 de julho de 1993, não aconteceu. O Marajá foi proibida. O ex-presidente alegou que considerava sua honra arranhada pelas cenas da minissérie. Após meses e uma guerra de liminares, uma decisão judicial favorável a Collor selou o destino da obra. “A história toda nos mostrou que, mesmo depois do impeachment, Collor ainda tem poder, já que foi capaz de censurar uma obra antes de ela ser exibida”, lamentou Alexandre Lydia, um dos roteiristas.

Há, até aqui, somente uma pista do paradeiro das fitas. O ex-diretor-geral da Manchete, Fernando Barbosa Lima, afirma que o próprio Adolpho Bloch decidiu guardar as fitas, com medo que elas fossem roubadas, e a Manchete, prejudicada. “Ele ficou assustado com o poder de Collor”, conta Barbosa Lima, que era amigo de Bloch.

A história é contada por um narrador, um repentista e uma fofoqueira, na tentativa de se comunicar com públicos diferentes. O resultado é confuso. São idas e vindas entre depoimentos jornalísticos, dramaturgia e os narradores. Embora centrada em Elle, a protagonista de O Marajá é a jornalista Mariana (Júlia Lemertz).

No dia em que O Marajá estrearia, autores, diretores e atores se reuniram num jantar, no prédio da Manchete, no Rio, para esperar juntos, a hora em que o capítulo iria ao ar. Ficaram surpresos com a proibição da exibição da obra.

Júlia Lemertz disse que viveu na época das gravações de O Marajá uma situação kafkiana. “Nós fomos a sessões em que o direito de exibição da novela ia ser julgado e víamos aqueles homens de toga, debatendo, sem que pudéssemos dizer nada. Me senti em plena ditadura”, conta. “Foi muito frustrante, porque a defesa da Manchete foi malfeita e, quando eu aceitei o papel, me disseram que a emissora estava calçada juridicamente”.

Outro adjetivo veio à mente de Regina Braga, que ajudou José Louzeiro a escrever os primeiros cinco capítulos. “Estou perplexa. A proibição da novela foi uma violência à liberdade de expressão, mas essa história do desaparecimento das fitas foi demais”, disse, sem esconder a surpresa. Alexandre Lydia, outro dos autores, ficou decepcionado. “Esse desaparecimento combina com toda a história da proibição da minissérie, que foi muito estranha”, afirma. “É um trabalho enorme que fizemos com o maior empenho e nunca foi mostrado”, completa.

Marcos Schechtmann, o diretor da minissérie, envolveu-se muito com o projeto na época. “Fomos censurados sem que ninguém visse os capítulos gravados ou escritos”, diz. “É óbvio que eu gostaria de ver a minissérie exibida um dia, mas agora é passado, já consegui aceitar”.

O ator Hélcio Magalhães, que fez Elle, a sátira de Collor, não escondeu a decepção. “Foi um trabalho de composição minucioso que eu fiz e que ninguém teve a oportunidade de ver”.

ESCÂNDALO TRÊS ANOS DEPOIS

Após a morte de Pedro Collor, as fitas da novela desapareceram dos arquivos da Manchete. O escândalo foi denunciado pelo jornal “A Folha de São Paulo”. Pedro Jack Kapeller, então presidente da Manchete, afirmou, na época, que Adolpho Bloch teria guardado as fitas em local seguro no momento que a novela foi censurada, em 1993.

Atualmente Hélcio Magalhães trabalha como fotógrafo, pois diz que sua carreira de ator fora muito prejudicada com as comparações ao ex-presidente.

Texto originalmente escrito por Miguel Rivera, em 21/01/2006

Sinopse de O Marajá

A minissérie começa com a posse de Elle, como os figurões se referem ao presidente, em 1990. No dia seguinte, a jornalista Mariana sofre o primeiro golpe: suas economias são bloqueadas. A repórter arrisca um palpite: “Esse cara não vai dar certo…”.

Mariana namora André, que esconde dela sua profissão de piloto particular do doutor Paulo. A mentira dura até o dia que Mariana encontra André na festa do poderoso. André disfarça seguindo até ali porque sentia ciúmes dela. Ao ver as fotos da festa, Mariana flagra André num papo descontraído com Felícia, que ensina a primeira dama, Ella, a se comportar adequadamente no high-society. Na mesma festa, Mariana, que trabalha para a TV Candango, ouve no banheiro conversas sobre o “Plano 2020” e começa a investigá-lo, descobrindo que Elle pretende governar o país por 30 anos.

O chefe de Mariana é então chantageado e a demite da emissora. Ela se junta ao fotógrafo Tato, que tem fotos comprometedoras, e ao motorista de Elle, que leva cheques fantasmas e decide desmascarar o chefe.

Os três se metem no submundo da política, passando a ser perseguidos e ameaçados ao tentar provar a culpa de Elle e denunciar o esquema.

Texto originalmente escrito por Diogo Montano, em 24/09/1999

Elenco de O Marajá

JÚLIA LEMERTZ – Mariana
ALEXANDRE BORGES – André
HÉLCIO MAGALHÃES – Elle
VÂNIA BELLAS – Ella
WÁLTER FRANCIS – PC
ANTÔNIO PETRIN – Dr. Paulo
JUSSARA FREIRE – Felícia
ANTÔNIO PITANGA – Tato
JOSÉ DUMONT – Egberto (motorista)
LÚCIA ALVES – Gilda
IRACEMA STARLING – Adriana
RÚBENS CORREA – Carlos Alberto
ROGÉRIO FRÓES – Osório
IVAN SETTA – Lucio C. Vulgo
ÂNGELA LEAL – fofoqueira
LÚCIA CANÁRIO – “certa atriz de coxas grossas”
LUIZ ARMANDO QUEIRÓZ – narrador

Por Diogo Montano, em 24/09/1999

TV Manchete vai a justçã para pedir a exibição de O Marajá

No dia 28 de julho de 1993, a direção da Rede Manchete entrou com um mandado de segurança no Conselho de Magistratura do Palácio de Justiça, do Rio, para garantir a exibição da novela, que teve o primeiro capítulo suspenso devido a uma liminar obtida pelo ex-presidente Fernando Collor dias antes da estreia. Os Autores da trama José Louzeiro e Regina Braga e o elenco se basearam na garantia constitucional da livre manifestação do pensamento para entrar com a ação. O Conselho de Magistratura julga amanhã a ação dos autores.

Por medida de precaução, a Rede Manchete decidiu retirar o pedido do mandado de segurança impetrado anteontem pela emissora para que não fosse julgado pela desembargadora Aurea Pimentel, que negou o primeiro pedido. O diretor-geral da TV Manchete, Fernando Barbosa Lima, informou que o proprietário da emissora, Adolpho Bloch, contratou o advogado Seabra Fagundes para o caso.
Barbosa Lima explicou que o novo pedido só deverá ser entregue na segunda-feira. “A desembargadora não assistiu ao capítulo”, acusou. “Ela se baseou apenas nas informações dos advogados de Collor.”

A decisão de procurar o advogado Paulo Goldrajch surgiu depois que o elenco e os autores souberam que a desembargadora Aurea Pimentel havia negado o pedido da TV Manchete feito anteontem.
No dia seguinte, Regina Braga, Alexandre Lydia e alguns atores, entre eles, Jussara Freire, Vania Bellas, Angela Leal e Julia Lemmertz foram com o advogado ao Palácio da Justiça entregar o mandado de segurança. Paulo Goldrajch garantiu que se a sentença do Conselho for favorável a Collor, irá recorrer a instância superior em Brasília.

Alexandre Lydia explicou que os autores querem garantir o direito de escrever. “Assusta a possibilidade de um retorno da censura“, disse. Segundo ele, a novela não retrata a vida pessoal do ex-presidente, mas “um drama vivido por 150 milhões de brasileiros”. Lembra que a novela foi baseada em reportagens e livros sobre a história do governo Collor e, portanto, não é constituída de fatos que não sejam de conhecimento público. “Collor tem medo do impacto que a exibição possa provocar porque a televisão atinge uma parcela maior da população”.

O advogado Paulo Goldrajch se baseou nos incisos 4 e 9 do artigo 5 da Constituição que garantem a livre manifestação do pensamento e expressão de atividade intelectuais e artísticas independentemente de censura ou licença. “O que Collor conseguiu é legal, mas não é legítimo”, disse. “Não é certo censurar o que ainda não foi exibido.” O recurso foi entregue ao Conselho de Magistratura devido ao recesso do Palácio da Justiça.

Texto originalmente escrito por Enio Marcio do Valle Leite, em 20/10/2005