Por que a Rede Manchete faliu?

Queda nas receitas e aumento de custos desencadearam problemas que, somados ao histórico financeiro da rede, levaram a empresa a um colapso irreversível ao longo de 1998.

Com dívidas que somavam US$ 500 mi, a Rede Manchete não suportaria três grandes revezes sofridos a partir do final de 1997:

  1. A recessão econômica global causada pela crise na Ásia;
  2. A proibição da exploração da loteria 0900 pelo congresso;
  3. O prejuízo causado pelas maiores apostas do ano: a Copa de 98 e a novela Brida;

A conjunção destes três fatores foram cruciais para o derradeiro colapso da empresa, configurando o seu último movimento pendular que, em meses, a levou da euforia, de novo, ao fundo do poço.

1. Recessão mundial

Com a crise econômica dos países chamados “tigres asiáticos” em 1997, e Rússia em 1998, houve efeito cascata em países em desenvolvimento, com efeito negativo para emissoras de TV aberta, por dois aspectos:

  • Queda de receita: a crise fez com que empresas paralisassem investimentos e revissem gastos desnecessários já a partir do segundo semestre de 1997. Os primeiros cortes costumam ser nas verbas de publicidade, causando impacto imediato em emissoras abertas.
  • Aumento de custos: não bastasse a queda de faturamento, a crise teve este outro efeito negativo. A partir do momento que o dólar se tornou mais escasso, custos de direitos esportivos e outros conteúdos internacionais, subiram. Os custos operacionais para enviar sua equipe para a Copa, na França, também.

2. Fim do 0900

  • Em meados de 1998, o congresso aprovou Lei que proibia a exploração dos serviços 0900 no país. Através de um telefonema, o espectador participava do sorteio de prêmios diversos, ao custo de 3 reais por ligação. Disfarçada como pesquisa, a prática se espalhou pelas emissoras, chegando até à Globo. A Manchete cada vez mais formatava programas para potencializar esta arrecadação, tendo sido, sua última aposta neste sentido, a maratona de prêmios Domingo Milionário.

3. Magia inútil

  • Copa de 98: Além do aumento dos custos da Copa do Mundo de 1998, a emissora amargou a quinta colocação durante as transmissões do evento, registrando de 1 a 2 pontos no ibope. A expectativa era que a Copa garantisse o bom desempenho das Olimpíadas de 96, mas deu tudo errado.
  • Brida: a última cartada da Manchete, entrou no ar em agosto de 1998 com a expectativa de conseguir um milagre do quilate de Pantanal. Mais do que esperança, até dava para acreditar neste potencial, visto que a novela adaptava um recente fenômeno literário do país: o romance homônimo de Paulo Coelho. Mas o que se viu no ar estava aquém dos padrões do escritor e também da Manchete.
    A novela derrubou os sete pontos de Mandacaru, que já era um número aceitável, porém modesto, para apenas dois pontos! Para piorar, o elenco aderiu à greve dos funcionários da emissora por falta de salários. Sem capítulos para exibir, a novela foi interrompida em 24 de outubro, quando, o locutor oficial da emissora, Eloy De Carlo, fechou a edição com a locução de um resumo dos que aconteceria com cada personagem, com imagens de arquivo da própria novela como ilustração.

Impactos e agravantes

Aliado à queda de receita e aos novos prejuízos acumulados, a emissora sofria de uma grande falta de credibilidade com credores, fornecedores, funcionários, mercado publicitário e com o governo. Ninguém estava disposto a suportar outra crise como vista entre 1992 e 1993, quando a emissora chegou a ser vendida e retomada pela Bloch, em frangalhos.

Além do histórico financeiro, dois agravantes prejudicaram a emissora:

  • A reivindicação da posse de 49% das emissoras de rádio e TV pelo seu antigo comprador, Hamilton Lucas, cuja ação na justiça impedia transação de venda da emissora para um possível interessado.
  • Concessões vencidas: a Manchete operava com autorização provisória desde 1996, válida apenas até maio de 1999, e não conseguiria regularizar os débitos com BB, INSS e Caixa, condição imposta pela Constituição para a renovação.

Efeitos imediatos, que aprofundaram o cenário:

  • Fuga de afiliadas ao longo de 1998, reduzindo ainda mais a receita publicitária nacional, e crucial para a saída de Raul Gil, por exemplo.
  • Funcionários e fornecedores, sem pagamentos regulares a partir de agosto de 1998, paralisaram a produção dos programas. Até o Jornal da Manchete saiu do ar por alguns dias.
  • Calote geral das parcelas das dívidas históricas com: INSS, Caixa(FGTS), Banco do Brasil, Banco Excel e Embratel. O montante estava estimado em 500 milhões de dólares!

A alta vulnerabilidade financeira da emissora neste período, porém, não foi por acaso: a empresa nunca teve uma vida financeira tranquila, apesar de ter contabilizado faturamentos muitas vezes só inferiores aos da Globo.

Por Diogo Montano

Diogo Montano é Bacharéu em Ciência da Computação, pós graduado em Gestão de Negócios, e trabalha há quase vinte anos unindo duas coisas que sempre gostou: comunicação e tecnologia. Cresceu assistindo à Globo e Manchete, canais de tv que tinham as melhores imagens da região. Em 1999, ainda antes de entrar na faculdade, publicou a primeira versão deste site, logo após a venda da Manchete.